Foto: Reprodução
Viúva do miliciano, matador e contraventor Adriano Magalhães da Nóbrega, Júlia Lotufo, de 29 anos, é considerada pelo Ministério Público estadual do Rio de Janeiro como peça fundamental para esclarecer o tamanho do patrimônio adquirido pelo ex-policial do Batalhão de Operações Especiais (Bope).
Júlia é considerada foragida. Encontrá-la representa descobrir os investimentos feitos por Adriano e que eram coordenados por ela. Principalmente, a partir de janeiro de 2019, quando o ex-policial passou a ser procurado pela Justiça após a operação Intocáveis, do MP-RJ.
As investigações do MP-RJ mostram que Júlia controlava toda a contabilidade de Adriano. Os integrantes da quadrilha prestavam contas sobre os rendimentos, vendas de gado e gestão do haras de Adriano à Júlia.
Em documentos obtidos pelo G1, o MP-RJ detalha a função de Júlia na quadrilha do contraventor/miliciano:
“Júlia era mais que companheira de Adriano da Nóbrega era cúmplice em seus escusos negócios, companheira de crime”
O nome de Júlia surgiu a partir das buscas realizadas na operação Intocáveis, em janeiro de 2019. Em um escritório no Itanhangá, o Ministério Público apreendeu faturas e extratos de cartões de crédito em nome de Daniel Alves de Souza, preso nesta semana e um dos laranjas da quadrilha.
As investigações mostraram que os destinatários finais dos serviços e produtos adquiridos através dos cartões de crédito em nome de Daniel eram o casal Adriano e Júlia.
Com o avanço das investigações, se descobriu que Júlia se responsabilizava pela gestão financeira de Adriano. Uma planilha encontrada pelo MP mostra que apenas no mês de maio de 2019, uma tabela apresentava uma movimentação de R$ 1,8 milhão.
No detalhamento da tabela se observa valores arrecadados por Adriano com aluguéis que trazem junto a inscrição RP, numa referência, segundo os investigadores, a Rio das Pedras, área dominada por uma milícia.
Juros de 22% ao mês
Há ainda outros item com o que foi ganho com a fazenda e o pagamento de mensalidade naquele mês de empréstimo concedidos por Adriano, que também atuava como agiota. De acordo com investigações, sua quadrilha empresta dinheiro a juros de 22% ao mês.
O MP descobriu uma conta de email em que Júlia dá orientações dos negócios aos policiais militares Luiz Felipe, o Orelha, que foi assassinado no sábado (20), e Odimar Mendes dos Santos, o Marreta, morto há um ano, vítima da Covid-19.
No correio eletrônico de Júlia, se descobriu ainda anotações sobre a possível venda de 86 bois que totalizou R$ 224,9 mil para Adriano.
Além de gado, Adriano da Nóbrega investia em cavalos de raça. Três animais foram identificados pelo MP como pertencendo ao criminoso.
Entre os dias 10 e 13 de fevereiro de 2020, após a morte de Adriano, que ocorreu no dia 9, o MP descobriu que Júlia vendeu um dos cavalos do marido que estavam no rancho K3D, localizado na cidade de Itabaianinha, em Sergipe.
Para o MP, Júlia quis prejudicar as investigações vendendo o que Adriano adquiriu com a prática de seus crimes:
“Vê-se desta forma, que a denunciada Júlia Lotufo, logo após a morte de Adriano buscou se desfazer do patrimônio deste, em claro propósito de prejudicar as investigações e auferir vantagem financeira, mesmo sabedora da origem ilícita de tal patrimônio”
‘Limpa’ no patrimônio
As investigações também indicam que Júlia não se dá bem com a família de Adriano. Desentendimentos entre as partes começam com o criminoso vivo e se intensificam após a morte dele.
Dias antes de morrer, Adriano estava com Júlia em uma casa na Costa do Sauípe, na Bahia.
É Júlia que avisa Adriano sobre o cerco de policiais disfarçados à casa que eles alugaram por R$ 9 mil no condomínio da Costa do Sauípe. Adriano consegue fugir até ser encontrado sozinho em uma fazenda em Esplanada, também na Bahia.
Um dos integrantes da quadrilha, Ronaldo César, o Grande, chega a dizer em conversa com uma mulher não identificada, seis dias após a morte de Adriano, que não aguenta mais ir a reuniões e estar presente nas brigas familiares por bens.
Nas investigações aparecem uma série de referências em que a irmã de Adriano, Tatiana Magalhães estaria “fazendo a limpa” nos bens do irmão. Tatiana é responsável por administrar a fazenda Haras Modelo, em Guapimirim, no RJ, que continha novilhos e bois para pesagem que pertenciam ao criminoso.
Em uma ligação telefônica, após a morte do irmão, Tatiana disse que tinha “muita coisa para tirar” da fazenda.
O MP descobriu que Adriano usava outro policial militar Rodrigo Bitencourt do Rego, de 39 anos, como seu laranja. Ex-namorado de Julia, Rodrigo foi preso esta semana pelo Ministério Público.
Rodrigo é sócio da Lucho Comércio de Bebidas e da Cech Tech Negócios Financeiros, empresas de fachada, que segundo as investigações, pertenceria a Adriano.
Com um salário bruto de R$ 3,7 mil, o soldado Rodrigo possui nove veículos registrados em seu CPF, investe em bitcoin e ainda passou três dias em Miami. De acordo com investigadores, Rodrigo cuidava de negócios de Adriano.
Na viagem aos Estados Unidos, o policial apesar de inseguro disse a uma amiga estar “colocando os negócios para funcionar”. O que Rodrigo foi fazer nos Estados Unidos ainda não foi descoberto pelo MP.
A polícia investiga se a morte de Orelha, no sábado (20), já seria por essa disputa pelo espólio de Adriano.
Telefones ponto a ponto
Em fevereiro de 2020, a polícia apreendeu com Adriano da Nóbrega, na Bahia, 11 telefones celulares e alguns chips.
As investigações sobre o criminoso levou o Ministério Público a descobrir que Adriano se utilizava de uma tática para tentar evitar ser monitorado, segundo os investigadores. Ele adquiria dois aparelhos, em nome de laranjas, e utilizava apenas para falar com um determinado integrante da quadrilha.
Já se sabe que assim ele falava com a mulher, Julia, antes dela fugir com ele se hospedar em uma casa na Costa do Sauipe, e com o policial Luis Felipe, o Orelha.
Por Arthur Guimarães, Felipe Freire e Marco Antônio Martins, G1 Rio