Quando Belém ganha o céu: Histórico da verticalização – Por Heber Gueiros

Vista aérea da Avenida Presidente Vargas, na década de 1950 (IBGE)

No início do século XX, a verticalização na construção se torna sinônimo de desenvolvimento e progresso. A cidade verticalizada adquire, assim, um status de “moderna”. Em Belém, o processo de verticalização que se inicia na década de 1940, se concentrava no centro comercial, especificamente na então Avenida 15 de Agosto – hoje Presidente Vargas – que, já nessa época, era umas das principais avenidas da cidade e foi o ponto central desse processo.

A partir das reformas urbanas promovidas no período da borracha, a Avenida 15 de Agosto, que fazia a ligação do porto com o antigo largo da Pólvora, transformado em Praça da República, começou a desempenhar um papel fundamental no crescimento urbano de Belém, pois, pela primeira vez, a cidade expandia para o seu interior, afastando-se das margens da Baía, definindo um novo vetor de crescimento.

No entanto, nas primeiras décadas do século XX, a principal via da cidade já não era mais a “passarela” da elite belenense de outrora, com sua alegre vida noturna, especialmente próximo ao teatro e seus dois bons hotéis. A decadência econômica propiciou o fechamento da grande maioria dos bares, restaurantes e cafés que fervilhavam durante o apogeu economia gomífera.

Em 1930, ano de acontecimentos políticos que levaram ao poder o Presidente Getúlio Vargas, Belém debilitada econômica e administrativamente desde a saída de Lemos, acompanhou com entusiasmo as promessas de modernização das administrações do presidente Getúlio Vargas e do Interventor do Estado, Magalhães Barata. Havia a expectativa de que a cidade pudesse, de certa forma, retornar à “Belle Époque” e desta maneira recuperar o título de cidade desenvolvida e próspera.

Os prefeitos nomeados pelo interventor Magalhães Barata tinham como uma das principais pautas de seus projetos a reconquista dos “encantos” que haviam sido perdidos na década de 1920. O principal incentivo dado à verticalização da Avenida foi obtido com a lei que decretava que todas as construções localizadas na via deveriam possuir no mínimo 12 pavimentos e as situadas próximas a esta via, 10 pavimentos.

Como toda inovação, o edifício residencial multifamiliar surgiu na paisagem das maiores cidades brasileiras e enfrentou certa resistência. A habitação multifamiliar verticalizada no Brasil era um desafio para uma sociedade que desconhecia esse modo de moradia, tido como promíscuo e normalmente associado às classes mais baixas da população, herança cultural das habitações proletárias do início do século, das pensões e dos cortiços.

A habitação vertical chega em Belém como uma nova e moderna maneira de habitar para a elite econômica local, acostumada, até então, com seus palacetes e amplos jardins – resquício do período próspero do ciclo da borracha. Nesse momento, Belém ainda encontrava-se quase que isolada do resto do Brasil, caracterizando-se como “provinciana”, longe do eixo sul-sudeste do país, onde se concentravam o maior desempenho econômico e industrial.

Nos anos 1940, destaca-se a obra do engenheiro Judah Levy, figura bastante significativa no mercado imobiliário da época. Formado no Rio de Janeiro e com grande experiência na construção de edifícios na então capital federal, o engenheiro inaugura, em 1949, um novo tipo de construção na cidade, o edifício Piedade, na Avenida Presidente Vargas, o primeiro exclusivamente residencial. Foi também o primeiro edifício a ultrapassar os 10 pavimentos mínimos que o gabarito para a avenida instituía. Não foram poucas as dificuldades, inclusive, para que o projeto fosse concluído: desde a escassez de materiais, até mão de obra e aquisição dos apartamentos pela população que não estava acostumada ao novo estilo de moradia.

O edifício Bern, concluído em 1940, de uso comercial e residencial, empreendimento de um austríaco, vem a ser a primeira expressão da modernidade tão almejada, foi o primeiro edifício a fazer o uso de elevador no norte do país. Entre as décadas de 40 e 50, o processo de verticalização ganha maior impulso. As construções estão divididas em edifícios residenciais, como o Renascença (1952) ; edifícios mistos, cujos exemplos são o Dias Paes (1945) – hoje Banpará – o Edifício Importadora (1954) e o Palácio do Rádio (1956); e, por último, os edifícios Institucionais, que também contribuíram para a transformação da fisionomia da cidade, como o Prédio dos Correios e Telégrafos (1942), o Central Hotel (1938), o Grande Hotel (1947) e a sede do IAPI (1958) – depois INAMPS.

Contudo, nenhuma outra construção marcou tanto o skyline da capital paraense como o Edifício Manuel Pinto da Silva, com sua imponência. Este lançado no início de 1949 como iniciativa de Manuel Pinto da Silva, um rico comerciante português proprietário da “Automobilista”, e inaugurado, em sua primeira fase em 1951. Obra do arquiteto e engenheiro Feliciano Seixas, o edifício foi projetado inicialmente para possuir 12 andares, o mínimo estabelecido pela prefeitura, mas o projeto foi alterado logo após sua inauguração integrando o edifício com mais dois blocos construídos ao lado, alcançando, em 1959, os inéditos 26 andares e sendo o 4º edifício mais alto do Brasil.

Nas décadas conseguintes, o apartamento se consolidaria como principal forma de moradia da classe média. Com a Implantação do SFH (Sistema Financeiro de Habitação), em 1964, o mercado de produção imobiliária privada, baseado no edifício de apartamentos, se consolidou por meio de uma explosão imobiliária – até a extinção do SFH-BNH, em 1986, na esteira do caos econômico da década perdida, e da delegação das suas atribuições à Caixa Econômica Federal.

Na capital paraense, a expansão da verticalização para outros bairros continuava. A partir da segunda metade da década de 1970, o número de edifícios acima dos vinte pavimentos acentua consideravelmente e a verticalização com uso residencial intensifica-se nos terrenos localizados em volta das praças centrais de Belém. É neste período que o antigo igarapé das Almas, divisor dos bairros do Reduto e do Umarizal, é drenado. Suas margens canalizadas em concreto e ao longo deste surge uma larga avenida ligando o bairro central de Nazaré ao porto de Belém, originando a Avenida Visconde de Souza Franco, ou Doca de Souza Franco. Essa obra de saneamento daria impulso, a partir de então, a um intenso processo de verticalização da região.

Apesar de estar localizada em terreno alagadiço e numa das áreas com cota mais baixa da cidade, as novas técnicas para fundações permitiram a construção de edifícios acima dos 20 pavimentos no entorno do canal da Doca, modificando definitivamente os rumos da incorporação imobiliária na capital paraense.