O prefeito que as mangueiras de Belém derrubaram – Por Heber Gueiros

O urbanista e ex-prefeito Jerônimo Cavalcanti (Reprodução Flickr/Biblioteca Nacional)

No início da década de 1940, Magalhães Barata, em sua segunda interventoria, nomeou o engenheiro e urbanista carioca Jerônimo Cavalcanti prefeito de Belém, diz-se, por indicação pessoal de Getúlio Vargas. Jerônimo residia no Rio de Janeiro, então Capital Federal, onde mantinha uma proeminente carreira integrando o quadro técnico daquela prefeitura. Chegou em Belém do Pará com a missão de promover um plano de urbanização para a cidade que enfrentava sérios problemas de infraestrutura, abastecimento e saneamento básico, mas que vislumbrava consolidar-se como Metrópole da Amazônia, em um cenário de expectativas do reaquecimento da economia da borracha com a presença norte-americana na região, na esteira da 2ª Guerra Mundial.

Logo que chegou, decidiu colocar em prática um audacioso plano de arborização. Na sua opinião técnica, havia mangueiras demais na cidade, principalmente no velho Largo da Pólvora (Praça da República). Achava que o Largo tinha mais cara de bosque do que de praça. Com o objetivo de modernização, ordenou, então, a troca do calçamento e a derrubada das mangueiras que circundavam não somente a praça, mas quase todas as ruas do centro. Alegava que as mangueiras, troncudas, com muitos galhos, copas frondosas e espessas, muito altas, dando frutos quase o ano inteiro, em safras contínuas, entupiam bueiros com suas grandes folhas, destruíam as calçadas com suas raízes, além de causarem acidentes com as quedas de mangas. Sendo, portanto, inadequadas para um meio urbano tão densamente ocupado como o de Belém. Dessa forma, sugeriu o plantio de oitizeiros, que julgava serem árvores mais adequadas à vida urbana.

O plano, obviamente, foi mal recebido pelos 350 mil habitantes da cidade, afetivamente ligados à árvore símbolo do Município, e bombardeado pela imprensa local, principalmente a ala antibaratista. O jornalista Santana Marques , que mantinha uma celebrada coluna em “O Estado do Pará”, publicou uma série de crônicas demolidoras em defesa das velhas árvores plantadas por Antônio Lemos – figura política com a qual, inclusive, o prefeito não gostava de ser comparado, pois, afirmava que com Lemos Belém viveu sua “Infância”, amando os jardins. Agora, com ele, a cidade viveria sua “Mocidade”, com o requinte e beleza do urbanismo. Em suas publicações, Santana alfinetava o chefe do executivo municipal lembrando que a cidade sempre se manteve limpa através dos anos, apesar das mangueiras. E que se isso era possível com prefeitos não-técnicos, por que não seria com um prefeito perito em urbanismo, bastando vassoura, água e limpeza, ironizando a pretensa competência técnica de Cavalcanti.

Mesmo com as críticas ácidas da imprensa e a reprovação da sociedade belenense, o prefeito estava determinado, não deu ouvido à voz das ruas e seguiu com seu projeto. O tiro saiu, então, pela culatra: ficou popularmente conhecido como o “prefeito lenhador”, entrando para a História da cidade não da forma que pretendia. Durou no cargo não mais que seis meses. Os conflitos internos causados pelo caso das mangueiras levaram Cavalcanti a sentir-se desgastado e solicitar a Magalhães Barata sua dispensa.

Ao que pareceu, o urbanista teve dificuldade em lidar com as atividades políticas inerentes ao cargo, deixando-se ser engolido pelo mesmo. O advogado Octavio Meira, na época Procurador Geral do Munícipio, em seu livro “Memória do quase ontem”, relembrou que, em sua breve administração, Jerônimo Cavalcanti, estritamente técnico, era muito tímido e fechado, figura alheia à terra, e não gostava de receber ninguém. Quem o procurava no gabinete, ele mandava que fosse até o Dr. Meira. Tentou traçar planos de alta gestão num tempo de escassez de recursos e de infraestrutura em Belém.

O fato é que em vez das mangueiras, quem caiu foi o prefeito.