Nobel premia fortalecimento dos salários e educação – Por João Arroyo

Foto: Ilustração/Paulo Emmanuel

Por João Claudio Tupinambá Arroyo

O Prêmio Nobel de Economia de 2021, foi compartilhado por três pesquisadores: David Card, Joshua D. Angrist e Guido W. Imbens. O ponto comum foi o uso de “experimentos naturais”, para calcular como situações econômicas da vida real impactam no mundo prático e entender as relações de causa e efeito em áreas como mercado de trabalho e educação, principalmente. Além do método científico de investigação, que revolucionou as pesquisas de campo pelo mundo, demonstraram na prática que a elevação real de salários, acompanhada do acesso à educação, qualifica o consumo, aumenta a demanda, aquecendo o varejo e a produção, melhorando a qualidade de vida de todas as classes sociais, qualificando tanto os produtos e serviços quanto as relações humanas e a realização de todos e todas, contribuindo com a diminuição das violências e discriminações.

O Comitê que decide a premiação tem claramente premiado o conhecimento voltado à humanização da economia passando, por exemplo, por Amartya Sen(1998), que relacionou a Economia com a Liberdade Humana, demonstrando que as misérias do corpo e da alma são piores que as correntes da escravidão e, por Richard Thaler(2017), que demonstrou o impacto da psicologia sobre as decisões econômicas, relativizando a natureza racional destas decisões humanas. Racionalidade, que é um dos principais alicerces da economia neoclássica, ainda hegemônica.

Esta tendência à humanização da economia pelo Prêmio Nobel, decorre da influência do ambiente nórdico em que acontece, onde o capitalismo é mais inteligente e onde seu criador, o químico e inventor Alfred Nobel, viveu. Entre Estocolmo, na Suécia, e São Petersburgo, então capital do império Russo, Nobel, trabalhando na fábrica de ferramentas e explosivos do pai, inventou a dinamite. O que lhe rendeu fortuna e a fama de ter criado o artefato que mais mortes produzia nas guerras. Indignado, deixou quase toda sua fortuna para a criação do prêmio, em 1891, enaltecendo os que se dedicam ao bem-estar da humanidade. Como estes que defendem cientificamente o aumento real dos salários e o acesso à educação de qualidade, em função dos impactos sistêmicos que demonstraram, na prática, gerar.

O Prêmio Nobel é alinhado aos princípios liberais da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, tão bem expressos na Revolução burguesa de 1789, também conhecida como Revolução Francesa. E, nesta linha, indica que, pelo princípio da igualdade, as soluções devem contemplar a todos, sem exceção, se não contemplam a todos, não é solução. Que sem acesso a vida digna, não há liberdade, portanto, não há democracia compatível com a miséria e, sem a humanização das relações entre os seres humanos, recomendado por todas as igrejas, que nos relacionemos como irmãos e irmãs, não teremos cumprido nossa missão existencial mais preciosa, a felicidade. E, estes são os impactos positivos verificados na prática, pelos pesquisadores premiados este ano, gerados pelo fortalecimento dos salários e o acesso à educação de qualidade.

Contudo, o quadro mundial vem revelando em seus números, estar caminhando na direção oposta, a direção da desigualdade social e de saberes, da concentração de renda, riqueza e poder – solapando a democracia, fazendo o capitalismo sucumbir ao que, pela indignação, gerou seu próprio nascimento, o Absolutismo.

Foi na luta contra o Absolutismo político(séc. XVIII), doutrina em que o Estado decidia tudo da vida privada, inclusive o que produzir e para quem, que surgiu o Liberalismo como filosofia de vida e o Capitalismo enquanto sistema econômico. Em nossos dias, o Absolutismo que domina é econômico e privado. Quer pelos oligopólios financeiros que drenam a lucratividade da indústria, da agricultura e do comercio, quer pelos monopólios da informação, tipo Google, que mercantiliza nossas identidades, gostos e mentalidades, sem nenhum controle social que estabeleça algum parâmetro ético. Confirmando o que previu o futurista americano Alvin Toffler, nos anos 80, quando dizia que a fonte do poder e da riqueza tinha migrado da Força(militar) para a Economia e, tendia, a se estabilizar no Conhecimento.

Decorrente do Liberalismo, como um de seus desdobramentos possíveis, o Socialismo também defendia uma Sociedade em que o Estado deveria ser, no máximo, um “administrador geral das coisas”. Para Marx e Engels, o Estado nasce dos antagonismos de classe. De acordo com O Manifesto Comunista, o Estado, sob o Capitalismo, é “o comitê administrativo dos interesses comuns da burguesia”, portanto, qualquer semelhança com isso, não é mera coincidência. E, logo, se o Comunismo só se implanta com a eliminação das classes e da luta de classes, o Estado também deixaria de existir. Nem o mais radical neoliberal privatista defende isso.

No entanto, compreendo que o debate que merece atenção é sobre o papel da Política(com P maiúsculo), enquanto processo decisório democrático. Para isso, precisamos definir se somos ou não a favor da Constituição Federal Brasileira. Se concordamos com o Art. 3º, então entendemos que a Sociedade, através do Estado, deve criar condições e oportunidades equitativas a todos e todas. Logo, temos que reconhecer que saímos deste rumo e precisamos voltar ao prumo da liberdade, da justiça e da solidariedade, como definimos na Constituição Federal, nosso objetivo maior enquanto nação.

Mas a guinada para a concentração de renda, riqueza e poder, associada ao acirramento das desigualdades, que corrompe nossa Constituição como nação soberana, não é um processo brasileiro, mas mundial, sistêmico. O Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ na sigla em inglês) obteve um conjunto de 11,9 milhões de arquivos confidenciais e liderou uma equipe que passou 2 anos examinando-os, rastreando fontes e vasculhando arquivos judiciais e outros registros públicos de dezenas de países. Participaram da investigação do Pandora Papers, 615 jornalistas de 149 veículos em 117 países.

Os arquivos revelaram que cidadãos, como o nosso ministro da fazenda, Paulo Guedes, e nada menos que o atual presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto, recorrem a empresas offshores em paraísos fiscais, para aumentarem ainda mais suas fortunas sem pagar impostos, se beneficiando a cada alta do dólar. Além disso, merece registro, que a Polícia Federal já concluiu, que o gigantesco fluxo econômico gerado pela economia ilegal, como a de tráfico de drogas e órgãos humanos, não seria possível sem os paraísos fiscais. Ficando claro que ilegalidade e imoralidade são coisas diferentes, e seu enquadramento, quase sempre, depende do poder do envolvido. Aliás, acabo de ler que o “supremo” Dias Tofoli, livrou Guedes das investigações sobre a Offshore.

”A promessa da torta ficar maior para ser repartida …, não se cumpriu. O dinheiro da produção não escoou e vemos a desigualdade e a imobilidade social. A classe média continua encolhendo e corre o risco de retornar à classe média pobre de um século atrás”, diz Joseph Stiglitz, nobel de Economia, reafirmando que a profecia da Curva de Kuznets não se cumpriu e a brutal concentração de capitais do período da Revolução Industrial, não se distribuiu. Apenas aconteceu onde as políticas de Bem-Estar de Keynes, foram levadas a sério, por medo de perderem o debate político para o bloco soviético. Com a Queda do Muro de Berlim e do império soviético, o ocidente capitalista deixou de fazer os investimentos sociais que fazia, retomando o padrão de miséria mundial do final do sec. XIX. Alheio à todas as inovações e disrupções tecnológicas conquistadas pelo conhecimento da humanidade, que já poderiam diminuir o peso do trabalho “braçal” sobre os seres humanos, aumentando a qualidade de vida.

Sobre a apropriação privada dos benefícios das inovações geradas pelo conhecimento coletivo, a partir do Pandora Papers, o site ProPublica havia revelado que os bilionários americanos quase não pagam impostos em comparação a sua fortuna e ao que paga o resto da população. O site Challenges, diz que as 500 maiores fortunas francesas saltaram de 210 bilhões de euros, para mais de 730 bilhões, entre 2010 e 2020, e os impostos pagos têm sido extremamente baixos. No Brasil, segundo o IPEA(Inst.de Pesquisa Econômica Aplicada/Gov. Federal), a carga tributária sobre quem ganha até 2 salários mínimos é de 48,9% enquanto sobre quem ganha 30 SM é de 26,3%, caindo ainda mais com o aumento da renda. Ou seja, a “crise” é a própria estrutura de funcionamento do sistema econômico. Quer dizer, crise para uns e não para outros. Enquanto isso, em nossa Constituição Federal diz que a cobrança dos tributos tem que ser proporcional à capacidade econômica de cada contribuinte. Nossa estrutura tributária está do avesso, paga mais quem ganha menos. E, a “Reforma”, que está no Congresso Nacional, não reforma isso. Em quem você votou, mesmo?

Como quase sempre apresentamos propostas de solução, para reflexão, concordo com o entendimento de que há um problema básico que é continuarmos, “no início do século XXI, a registrar e a tributar os bens apenas com base nas propriedades imobiliárias, utilizando os métodos e cadastros estabelecidos no início do século XIX”. Se não avançarmos decididamente para uma tributação sobre fluxos de renda e riqueza, se não tributarmos o “estilo de vida” em sinergia com as redes sociais, teremos a continuidade deste seguro processo de decomposição do nosso pacto social e fiscal, expressa em nossa Constituição Federal, que a maioria de nós apenas assiste e assim confirma, com consequências imponderáveis.

Concordo com o economista francês, Thomas Piketty, que propõe o “estabelecimento de um cadastro financeiro público e a tributação mínima de todos os patrimônios, nem que seja para produzir informações objetivas sobre eles. Cada país pode mover-se imediatamente nesta direção, exigindo que todas as empresas detentoras ou operando bens em seu território divulguem a identidade de seus titulares e os tributem de modo transparente e da mesma forma que os contribuintes comuns.” Exatamente como já fazem com seus empregados. Acrescentando apenas que a tributação, para respeitar definitivamente a Constituição, precisa de um fator de cálculo, associado à capacidade econômica do contribuinte, para que nossa estrutura tributária deixe de ser regressiva, garantindo que pague mais quem ganha mais.

Mas é preciso relacionar a arrecadação tributária ao Orçamento Público, para garantir que os investimentos públicos cheguem de fato a quem mais precisa do recurso público. O capitalismo precisa de controle social. Logo, quanto mais educação de qualidade tiver a Sociedade, mais qualificado será o Controle da Sociedade sobre o Sistema Econômico seja ele qual for. Só assim a polis, a urbanidade, a população em toda sua diversidade, a política enfim, retoma a posição central do processo decisório, revertendo sua atual posição de subordinada aos interesses econômicos particulares dos super ricos.

Ah! Os super ricos, segundo definição que consta no projeto de Reforma Tributária, em tramitação no Congresso Nacional, são os brasileiros que possuem renda média anual de R$ 15 milhões e patrimônio médio de R$ 67 milhões. Dos 200 milhões de brasileiros, são algo em torno de 20 mil pessoas ou, 0,1% da nação. Se você estiver aí dentro, seja inteligente, quanto melhor aqui fora, melhor para você também, inclusive economicamente. Se você não estiver lá dentro, dê viva ao Prêmio Nobel e defenda o aumento dos salários e do acesso à educação de qualidade para que a economia volte a gerar riqueza de maneira distributiva. Em 2012 nosso salário mínimo correspondia a 332 dólares, em 2021 corresponde a 192 dólares.

Dúvidas, críticas e sugestões para: arroyojc@hotmail.com