Foto: Reprodução
Moradores do Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, disseram que há marcas de tortura nos corpos retirados nesta segunda-feira (22) de um manguezal na região após uma operação na comunidade e que alguns ficaram desfigurados. Os responsáveis pela investigação negam que existam indícios de que os mortos tenham sido torturados.
Na manhã desta segunda, moradores retiraram oito corpos de um manguezal no bairro das Palmeiras, no interior da comunidade. Os corpos foram colocados em um terreno baldio próximo ao local. Segundo os moradores, que dizem ter ocorrido uma chacina, outros corpos permaneciam na área de mangue e não haviam sido retirados de lá até a última atualização desta reportagem.
Os confrontos no Salgueiro começaram na madrugada de sábado (20), quando o sargento Leandro Rumbelsperger da Silva, de 38 anos, do 7º BPM (São Gonçalo), foi atacado a tiros por criminosos durante um patrulhamento em Itaúna, bairro vizinho às Palmeiras e também parte do Complexo do Salgueiro. O policial morreu no hospital.
O Batalhão de Operações Especiais (Bope) foi mobilizado, e os embates se acirraram. Na manhã deste domingo (21), uma idosa foi atingida no braço por uma bala perdida.
“Eu não entendo por que essa crueldade. Pegaram eles vivos, mataram na facada. Todos estão sem a parte genital, fora quem está sem olho, sem perna, sem braço”, disse a esposa de Jhonathan klando Pacheco, um dos mortos na operação da PM.
Milena Menezes, irmã de Rafael Menezes Alves, de 28 anos, contou que o homem tinha marcas de tiro no tórax e na perna, além de uma perfuração por faca no glúteo.
“Já sabiam que iriam matar, então por que fazer isso? Por que torturar? Parece que estão matando bicho, matando rato. Meu irmão não fazia mal para ninguém. Fizeram muita maldade com ele. Tem adolescente aí que tiveram os dedos arrancados. Para que fazer isso?”, disse Milena.
“A gente está entrando numa guerra que não é nossa. Favelado é gente. A gente mora na favela não é porque gosta, não. A gente mora porque tem necessidade. Mas favelado é digno. Favelado é gente”, completou Milena.
A Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí (DHNSG) passou a investigar as mortes no Complexo do Salgueiro e já realizou o trabalho de perícia no local do confronto. Os corpos foram encaminhados ao Instituto Médico Legal (IML) da região.
Sete dos oito mortos na comunidade de São Gonçalo foram identificados. Desses, cinco têm antecedentes ou anotações criminais. Um dos mortos sem antecedentes também estava com roupa camuflada semelhante à do restante do grupo.
Familiar questiona troca de tiros e diz: ‘Cenário de terror’
O familiar de um dos mortos na operação do Complexo do Salgueiro questionou a afirmação de que os corpos seriam de envolvidos em uma troca de tiros com a polícia.
PM morto no sábado
O fim de semana no Complexo do Salgueiro foi de tiroteios entre a Polícia Militar e traficantes. Os incidentes começaram na madrugada de sábado (20), quando o sargento Leandro Rumbelsperger da Silva, de 38 anos, do 7º BPM (São Gonçalo) foi atacado a tiros por criminosos durante um patrulhamento em Itaúna, bairro vizinho às Palmeiras e também parte do Complexo do Salgueiro. Leandro morreu no hospital.
O Batalhão de Operações Especiais (Bope) foi mobilizado, e os embates se acirraram. Na manhã de domingo (21), uma idosa foi atingida no braço por uma bala perdida.
Ainda de acordo com moradores, os policiais não queriam prender nenhum suspeito de tráfico no Salgueiro. Alguns apontam que a operação do Bope foi com o objetivo de vingar a morte do sargento Leandro.
“Eles levaram todos que eles viram, se eles acharam que tinha cara de bandido, eles pegavam e levavam. Eles só entram pra fazer isso, se não tem o que eles querem, que é o dinheiro, eles matam”
A Defensoria Pública do RJ afirmou, em nota, ter recebido “relatos sobre a violenta operação no Complexo do Salgueiro” e comunicou o fato ao Ministério Público, “para a adoção de medidas cabíveis a fim de interromper as violações”.
Moradores falam em mais mortes
Ainda na noite de domingo (21), moradores do Complexo do Salgueiro afirmavam que corpos estariam em uma área de difícil acesso em um mangue. Em mensagens enviadas pelas redes sociais, eles pediam ajuda.
“Os corpos estão todos jogados no mangue, com sinais de tortura. As pessoas, uma jogada por cima da outra. Estava com sinal totalmente de chacina mesmo”, relatou um.
“As mães estão entrando dentro do mangue. Com o mangue acima do joelho para poder tentar puxar os corpos”, continuou mais uma.
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Alguns moradores também disseram que o número de mortos na operação da PM ainda deve aumentar depois que as investigações tiveram continuidade.
“Muito conhecido da gente aqui morreu. A gente estava gritando no mangue para ver se consegue tirar, mas todos mortos”, relatou outra moradora.
“A gente aqui na Palmeira está precisando de uns homens, moradores, qualquer pessoa que possa ajudar, pois tem muitos mortos dentro do mato. A gente está aqui e tem muitas pessoas reunidas, mas precisamos de mais, pois tem muitos corpos aqui dentro do mato”, afirmou uma moradora.
Quem vive na área tentou organizar uma busca para a retirada dos corpos do mangue.
“Estão falando que tem gente no mangue ferida e baleada. As famílias estão indo lá e para cá para verem se encontram e estão sinalizando para as pessoas irem na direção, soltando morteiros”.
‘Não há indícios de tortura’, dizem responsáveis pela investigação
No começo da tarde desta segunda, policiais responsáveis pela investigação sobre as mortes no Salgueiro disseram que não há sinais de tortura nos corpos dos mortos na comunidade de São Gonçalo.
De acordo com informações de membros da Delegacia de Homicídios de Niterói e São Gonçalo, até a última atualização desta reportagem, não haviam sido encontrados indícios de golpes de faca nem de mutilações.
Corpos com roupas camufladas
Quatro dos oito homens mortos em uma área de mangue no bairro das Palmeiras, em São Gonçalo, estavam com roupas camufladas, segundo a Polícia Militar.
O porta-voz da PM, tenente-coronel Ivan Blaz, afirmou ainda que a quadrilha que domina as comunidades do Complexo do Salgueiro, chefiada por Antônio Ilario Ferreira, o Rabicó, se preparou para enfrentar o Bope.
“As vestimentas desses que estão sendo retirados são camufladas”, destacou Blaz. “Esse resultado [oito mortos] não é esperado em um mundo civilizado”, emendou.
Blaz afirmou que Rabicó “foi colocado em liberdade em 2019 e hoje investe duramente contra a sociedade”. Ele foi condenado a 27 anos de prisão.
“Esse marginal protagoniza inúmeras cenas de banho de sangue que nós não tomamos ciência”, declarou Blaz.
“Foram mais de três dias de confrontos no interior de mata fechada, com ardis paramilitares”, explicou.
Blaz explicou mais cedo que criminosos do Salgueiro tomaram colégios para servir de abrigo.
“A gente já tinha tido inúmeras denúncias de marginais fazendo uso de vestiários, de escolas públicas, ali na região, para transformar em base do tráfico”, afirmou o porta-voz.
“Também tivemos a apreensão de muitos materiais utilizados em combate. Então você tem ali cinto de guarnição, coletes, pistolas, munição”, enumerou Blaz.
Por Henrique Coelho, Cristina Boeckel e Gabriel Barreira, g1 Rio