Metaverso, outra versão do capitalismo e a Proclamação virtual da República – Por João Arroyo

Foto: Reuters/Dado Ruvic

Por João Claudio Tupinambá Arroyo

Não sei se acontece isso com você, mas quanto mais inovação tecnológica chega mais a velhice se apresenta como um fato material, para a gente. Quando a gente precisa chamar um filho/a ou neto/a para resolver um problema no celular, sempre escuta, “poxa, você não conseguiu? É tão fácil”… aí a pessoa começa a fazer os procedimentos na tela, na sua frente, a gente não entende nada e ainda escuta… “viu?”.

Por essas e outras, que as notícias recentes do mundo tecnológico vem abalando convicções e projeções na vida, na política, na economia, na sociabilidade humana e, mais uma vez, sobre o que estamos a fazer por aqui, nesta existência. Aliás, quanto mais as notícias tecnológicas se acumulam mais releio o Gênesis. Até a criação de tudo que existe, em 7 dias, começa a fazer sentido…

Zuckerberg, 32 anos e 17 bilhões de dólares, controlador do Facebook, Instagram, Whatsapp e centenas de outros aplicativos, anunciou que sua holding passará a se chamar Meta e que se prepara para lançar o Metaverso. Nos textos jornalísticos, quase publicitários, o Metaverso será o “próximo capítulo da Internet”, uma versão irresistível do Second Life, dos anos 2000. Um mundo em que o virtual se funde e se mescla à realidade, como hoje a conhecemos, onde as pessoas também poderão viver em quase todas as dimensões, trabalhar, jogar, fazer compras, se divertir, amar etc, criando uma outra Matrix. Contudo, ao mesmo tempo, trata-se apenas de mais um negócio em que apostam pesado as gigantes da tecnologia.

Como produto, o Metaverso promete ser um universo virtual onde as pessoas, que puderem pagar, vão interagir entre si por meio de avatares digitais ou outra forma que quiser, reorientando a questão da imagem e semelhança. Esse mundo será criado a partir de diversas tecnologias, como realidade virtual, realidade aumentada, redes sociais, criptomoedas etc mas de uma única cosmovisão, de quem?. A Microsoft e a Roblox também estão investindo pesado para disputar uma fatia dessa próxima etapa da rede mundial de computadores, em que estaremos não apenas vendo os conteúdos, mas dentro deles, em um novo ambiente sócial-econômico-político-cultural, criado.

Não consigo parar de pensar no “novo normal”, no voto eletrônico, paraíso fiscal e no orçamento secreto do governo federal. Sim, psicoses e paranoias, cada vez mais, lotam os consultórios de psicanálise, psiquiatria, igrejas e redes sociais. Já as psicopatias lotam parlamentos e listas da Forbes. Deixando cada vez mais claro que a realidade é aquilo que somos capazes, sensíveis, educados e/ou adestrados a ver. E isso não é de hoje. Esta é a definição que os gregos deram, na antiguidade, a palavra Meta. Aristóteles, por exemplo, definia a “metafísica” como a realidade para além daquilo que é sensível aos seres humanos e que somente é percebido pela nossa capacidade de abstração e concepção da realidade, demonstrando entender o papel da subjetividade humana, em toda sua pluralidade, como produtora de realidades mais complexas, exatamente como o fluxo invisível de poder, que chamamos de política, ou como o fluxo de riqueza, que chamamos de economia, seja lá o que se conceba por poder e riqueza.

A promessa comercial, quase ingênua, é que o Metaverso seja uma espécie de “Internet 3D, onde comunicação, diversão e negócios existirão de forma imersiva e interoperável”, mas também será introspectiva. Ora, mas comunicação e demais interações humanas, por identidades ou interesses, compõem o que se define como Sociabilidade, o conjunto de referências materiais e subjetivas, econômicas e políticas, jurídicas e culturais que nos fazem uma Sociedade, em que os sócios são seres humanos. Até parece óbvio, não é?

No que ainda chamamos de realidade, e daqui a pouco vamos chamar de realidade tradicional, a Sociabilidade é um construto histórico, um aprendizado coletivo geracional que, por exemplo, a partir da Idade Moderna nos faz pensar a existência a partir de valores como a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade. Que meta-referências ou meta-valores serão constituídos nas meta-sociedades que se constituirão….e, por quem?

Já hoje a realidade virtual, o e-commerce, as criptomoedas e bitcoins, as comunidades virtuais e grupos de zap são orientados por códigos binários, base da linguagem dos computadores e, portanto dos algoritmos que dirigem até o que a gente recebe de spam. Uma cara como eu é “mapeado” pelos algoritmos e tem a caixa de mensagem lotada de ofertas de solução para calvice, obesidade e impotência… O mais grave é que dirigem até com quem você convive, segundo suas opiniões, inclusive políticas.

A democracia das bolhas mascara a relação de poder com a ditadura da bolha mais forte e seguimos confusos debatendo procedimentos morais sem refletir e entender os valores morais que devem dirigir a própria existência humana e, portanto, a política e a economia, assim como tudo o mais que nos torna sócios. Como a própria razão de estar aqui, que chegam a ridicularizar, mas refletir e entender se o objetivo é a acumulação material(riqueza é outra coisa) ou se é a felicidade, é fundamental.

As descobertas científicas da Economia Comportamental, da neuroeconomia, a partir de tudo o que se tem produzido pela antropologia, pela história e a ciência política, recomenda muita prudência com a noção de “verdade”. Cada vez mais a ciência se afasta da noção de verdade, para se identificar com a ideia da busca pela “melhor solução”. A verdade tende ao absoluto já o que é a melhor solução é circunstancial. A verdade é excludente, enquanto que a melhor solução é diversa e plural, é possível ter mais de uma solução para um problema a questão é que ponto de vista, é de menor custo? Beneficia mais gente? Por mais tempo? Etc… A condição científica é a demonstração prática da teoria. Aliás, só é teoria o que se demonstra na prática, o resto é discurso. Até a física demonstra que a menor trajetória entre dois pontos é uma reta, mas se a velocidade for próxima da luz, a menor trajetória é um senoide(~~~~). Mas quem já andou na velocidade da luz, né?

Voltando ao que importa, a possibilidade de se projetar sobre a subjetividade humana a percepção dirigida a determinada realidade virtual é sempre um desafio para quem entende como fundamental os valores da modernidade, Liberdade, Igualdade e Fraternidade, de onde derivam sensos como o da justiça social e da própria democracia.

Neste 15 de novembro, por exemplo, estamos festejando a Proclamação “virtual” da República. Um produto para a percepção política de uma realidade, no mínimo, parcial. Veja, República significa “coisa pública”. Uma forma de Estado voltado a gestão do que é público, daquilo que é de interesse comum entre os membros de uma Sociedade. Acima dos interesses pessoais, particulares ou setoriais. Jamais tivemos esta condição na gestão do Estado brasileiro. Tal como em países como Inglaterra, Suécia, Espanha entre outros, as monarquias se fundiram às emergentes burguesias capitalistas e mantiveram no novo sistema econômico que substituía o feudalismo, muitos dos velhos privilégios das elites de sangue azul, agora equiparados aos que frequentam a Forbes. Ou seja, jamais teremos democracia política se não tivermos democracia econômica.

A reflexão e debate sobre o Metaverso não pode ser nem festivo nem preconceituoso, mas orientado por todos os questionamentos que precisamos fazer para elaborar e construir as soluções necessárias e adequadas aos problemas, tal como se apresentam a cada coletivo e cada comunidade. As tecnologias da democracia, da justiça social e da sustentabilidade, ainda são promessas da modernidade, e precisam nos conduzir na construção desta nação.

Dúvidas, críticas e sugestões para: arroyojc@hotmail.com