ICMBio muda resultado e dá concessões no Cristo Rendentor a empresa que alegou problema na internet do instituto ao perder prazo

Foto: Reprodução / TV Globo

Documentos apresentados por um grupo empresarial bastaram para que o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, readmitisse e declarasse a companhia vencedora de concessões de lojas “aos pés” do Cristo Redentor.

Na decisão administrativa do ICMBio, obtida pelo G1, o instituto não cita se conduziu uma apuração interna sobre as informações prestadas pelo grupo Cataratas Iguaçu S.A.

Além disso, as circunstâncias da concorrência são questionadas por quem, mesmo vencendo a fase preliminar, foi excluído da concorrência sem ser comunicado pelo ICMBio.

Criado em 1999, o Cataratas se apresenta na internet como uma holding com foco no ecoturismo. Atualmente, o grupo é em parte controlado pelo fundo de investimento Advent International.

No Rio, o Cataratas administra outros três empreendimentos:

  • AquaRio, na Região Portuária;
  • BioParque (antigo zoológico), na Quinta da Boa Vista;
  • Espaço Paineiras Corcovado – parte baixa do Corcovado, onde fica o Hotel das Paineiras.

A entrada do Cataratas em lojas no alto do Cristo representa a quarta conquista do grupo na cidade. Só que a empresa supostamente perdeu o prazo para apresentar a proposta econômica e não apareceu no resultado preliminar do chamamento público.

No recurso enviado ao ICMBio, o Cataratas alegou que houve “falha na entrega da mensagem” com a proposta por “erros de comunicações entre os servidores” de e-mails. A empresa sugere, inclusive, que o problema ocorreu no servidor do órgão federal.

Para comprovar o envio da proposta, a empresa anexou ao pedido de reconsideração atas notariais, registradas em cartório, que comprovariam que o e-mail foi enviado ao instituto antes do encerramento da disputa.

Caso o recurso não fosse atendido, o próprio Cataratas solicitou que o ICMBio produzisse uma prova pericial nos servidores de e-mail do grupo e da autarquia federal. Entretanto, a decisão administrativa não cita se isso foi feito (veja abaixo).

Em entrevista ao G1, um advogado especialista em Administração Pública também viu problemas no processo de concessão conduzido pela autarquia federal.

Em nota, o ICMBio informou que “todas as diligências para certificar as alegações das partes foram adotadas nos autos”. O instituto, entretanto, não detalhou quais foram os procedimentos.

O edital

Em 11 de janeiro deste ano, o ICMBio abriu um chamamento público para empresas disputarem as concessões de seis áreas comerciais que ficam na base do Cristo – pontos privilegiados para o comércio.

Na convocação, o instituto informou que os contratos com os vencedores durariam entre dois e seis anos. Pelo edital, os concessionários também ficariam autorizados a comercializar alimentos e bebidas, vender souvenirs e realizar outros serviços.

Atualmente, os espaços são administrados por comerciantes que há sete décadas estão à frente das lojas. Mas, há 3 anos, o ICMBio definiu que queria utilizar as áreas dos imóveis para “um grande projeto de revitalização” no entorno do Cristo, o que gerou um embate com os lojistas. A divergência acabou indo parar na Justiça.

Em julho de 2018, a autarquia federal emitiu uma ordem de despejo contra os lojistas, mas a decisão foi suspensa pela Justiça até que seja feita uma perícia para comprovar quais benfeitorias foram pagas pelos comerciantes que administram os espaços.

Por enquanto, como o chamamento público aberto pelo ICMBio aconteceu em paralelo à ação na Justiça, a entrada do Cataratas e de outras duas empresas nos espaços está paralisada.

Resultado preliminar X resultado final

No edital do ICMBio foram definidas as datas de início e encerramento de cada etapa da disputa. As propostas deveriam ser apresentadas até as 23h59 do dia 25 de janeiro. Depois, até o dia 30 do mesmo mês, os projetos foram analisados e um resultado preliminar saiu no dia 3 de fevereiro.

A princípio, foram escolhidas três empresas como concessionárias de quatro dos seis espaços.

  • A Foto&Gráfica LTDA ficou com as lojas 3 e 4;
  • A Vitacura Artes e Souvenirs LTDA com a loja 5;
  • E a RV Capital, Empreendimentos, Comércio Importação e Exportação Eireli com a loja 1.

No resultado preliminar, o Cataratas não aparecia como uma das companhias vencedoras da disputa. Mas, ao final do processo, a Vitacura Artes e Souvenirs foi limada para a entrada do grupo.

Com a reconsideração do ICMBio, o Cataratas ficou com três dos seis espaços – incluindo um que tinha sido concedido à Foto&Gráfica LTDA. Pelas lojas, o grupo empresarial apresentou propostas que, somadas, passam de R$ 70 mil.

Comparando com o que foi oferecido pela Vitacura – quase R$ 7 mil pela loja 5 –, o Cataratas propôs mais de três vezes o valor da concorrente: quase R$ 26 mil para ter a concessão do espaço.

E para ficar com a loja 4, antes concedida à Foto&Gráfica por R$ 15 mil, a proposta do Cataratas foi de R$ 238 a mais (R$ 15.238,00).

Excluída sem comunicação

Patricia Etchecoin, dona da Vitacura Artes e Souvenirs, participou do processo de chamamento público, mas foi excluída depois que o ICMBio aceitou o recurso do Cataratas.https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

Ao G1, ela contou que está há mais de 25 anos no ramo de venda de souvenirs e que entrou na concorrência por acreditar que fosse uma boa oportunidade de seguir com o trabalho com uma loja no alto do Corcovado.

“Fizemos a proposta pra uma loja, né? E, na primeira etapa, ganhamos uma loja, mas depois fomos surpreendidos – aliás, não tivemos nenhum tipo de informação sobre isso –, fomos informados por terceiros que a gente tinha perdido a loja pra uma empresa que, inicialmente, tinha sido desclassificada por ter perdido o prazo de entrega. Essa empresa entrou com um recurso e, no final, eles foram selecionados como ganhadores, não dando nem tempo de a gente reagir”, reclamou.

Além de não ter sido comunicada, a empresária também se queixou de um tempo muito curto para apresentar qualquer contraproposta. Segundo ela, a reclassificação do Cataratas ocorreu no meio do carnaval.

“Não havia tempo… Isso foi feito no meio do carnaval. Então, na verdade, nós fomos prejudicados. Nós entramos numa coisa para ser profissional e lícita. Perdemos algo que achamos que estava sendo legal. Não tivemos nem direito de resposta”, lamentou.

Problemas

O advogado especialista em Administração Pública Claudio Pieruccetti, sócio do escritório Vieira Rezende Advogados, avaliou que a empresa de Patricia deveria ter sido comunicada da reclassificação do Cataratas e consequente exclusão da Vitacura no processo.

“Quando alguém entra com um recurso, a parte que eventualmente pode ser prejudicada – se o recurso for provido e outra parte perder o certame –, ela precisa ser notificada pra que se possa apresentar uma resposta”, pontuou o advogado.

Segundo o advogado, também há problemas na concepção do edital. De acordo com ele, o uso de um chamamento público para conceder os espaços não era o instrumento adequado.

“O ICMBio tentou fazer foi um chamamento público para celebrar uma permissão de uso. (…) O que se pretende é que as lojas fiquem ali durante um tempo. O instrumento não é a permissão de uso“, sustentou Pieruccetti.

O advogado explicou que a modalidade escolhida serve para permitir eventos de curta duração e com “objeto delimitado”. E acrescentou que se a intenção da autarquia era permitir a utilização das lojas por um longo período, a permissão de uso não era o instrumento adequado.

Além disso, Pieruccetti ponderou que chamamentos públicos são geralmente utilizados “quando o poder público quer se vincular ao ente privado”, quando há um interesse comum – o que não seria o caso.

“É muito utilizado em convênio, quando o poder público não precisa de uma exclusividade. Abre-se o chamamento com requisitos específicos. É um objeto muito especifico e muito diferente da exploração econômica de um bem”, definiu.

Para Pieruccetti, o ideal era que o ICMBio tivesse feito uma licitação para realizar uma “cessão de uso” e não “permissão de uso” dos imóveis.

O recurso

G1 teve acesso à documentação apresentada pelo Cataratas para conseguir ser readmitido e ganhar a concessão de três dos seis espaços ofertados pelo ICMBio.

Ao instituto, o Cataratas alegou ter enviado o e-mail com a proposta pela concessão das lojas às 22h10 do dia 25 de janeiro – portanto, dentro do prazo.

Para comprovar, o grupo empresarial afirmou que a mensagem também foi enviada, em cópia, a diretores e advogados do Cataratas. A empresa anexou atas notariais registradas em cartório para demonstrar a “fé pública” nos documentos.

Para Pieruccetti, causa alguma surpresa o ICMBio simplesmente aceitar a alegação do Cataratas. O advogado explicou que, segundo a Lei de Licitações, é possível fazer diligências para confirmar informações das partes envolvidas no processo.https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

“Se fosse eu o agente publico, eu faria pelo menos alguma diligência, alguma verificação sobre a pertinência daquele argumento que está sendo alegado. Não ia simplesmente acreditar naquelas alegações”, afirmou ao G1.

Na opinião dele, “a comissão de licitação [do edital] também deveria ter tomado alguma medida para verificar se o e-mail foi enviado dentro do prazo”. “Isso também deveria ter sido verificado, ao menos no âmbito interno”, ressaltou.

Por Nicolás Satriano, G1 Rio