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Por João Claudio Tupinambá Arroyo
A gigante Cecília Meireles nos diz “Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, não há ninguém que explique e ninguém que não entenda”. E, de fato, até as tentativas mais qualificadas são em algum aspecto frustrantes.
Aristóteles, há mais de 350 anos antes de Cristo entendeu que “A liberdade é a capacidade de decidir-se, por si mesmo, para um determinado agir ou omitir”. Para Espinoza, o ato de ser livre, segundo sua própria natureza, implica na responsabilidade de assumir o conjunto dos nossos atos. Hobbes, diz que liberdade é a ausência de obstáculos externos às ações que contribuem para a preservação da vida. E, surpreendentemente, o mentor do absolutismo, no Capítulo 14 do Leviatã diz, “a liberdade é um direito, e opõe-se à lei e à obrigação”. Locke, seu oponente filosófico, pai do liberalismo explica que a liberdade consiste em estar livre de restrição e de violência por parte de outros, o que não se pode dar se não há lei, se não há direito reconhecido pela Sociedade.
Na mesma direção de Locke, Rousseau afirmava que a liberdade natural do homem, seu bem-estar e sua segurança seriam preservados através do Contrato Social. Mais recentemente, Sartre conceitua a liberdade como uma condição intransponível do ser humano, “está condenado a ser livre” e a pagar todos os preços por isso. Hanna Arendt, diz ser uma dinâmica entre a ação do indivíduo e a política que organiza todos. Para Heidegger, seu controvertido parceiro, a liberdade relaciona-se com a autonomia, ser livre é desprender-se de tudo o que impede uma vida autêntica. Em Antropologia da Liberdade, Edgar Morin, define Liberdade como a possibilidade de escolher por ser conhecimento, “liberdade de mente” e, por ser objetiva ou materialmente possível. Para o prêmio Nobel de economia Amartya Sen, a liberdade envolve processos que permitem a decisão e ação dos indivíduos como conquista de desenvolvimento social.
Mas de tudo o que foi construído filosoficamente pela humanidade, o consenso que norteia o pensamento moderno é o expresso por autores como Hans Kelsen, Norberto Bobbio e Jürgen Habermas que fundamentam que a Liberdade se constitui na prática como Democracia, cujos pressupostos elementares são, a liberdade individual e a igualdade social, institutos que devem ser garantidos pelo Direito e pela Cultura, pelo processo político-econômico e pela educação.
Não estamos tratando da democracia como na Grécia, lá a democracia não incluía as mulheres nem os escravos e os menos abastados. Ou seja, a visão que entende a Democracia moderna como conquista civilizatória necessária, não alimenta o equívoco das exclusões sociais e avança na direção do desenvolvimento da tolerância e da equidade para o convívio no contexto da natureza diversificada de condições humanas. Mas ainda não é isso que vivemos, segundo o economista francês Thomas Piketty, um terço da humanidade passa fome enquanto 0,1% possui renda equivalente a metade mais pobre da população mundial. No Brasil, 5 indivíduos possuem a mesma renda dos 100 milhões mais pobres, 0,1% dos investidores concentram quase 40% das aplicações, ao mesmo tempo em que 53% de tudo o que é arrecadado em impostos vem dos brasileiros com renda de até 3 salários mínimos. Sim, quem sustenta o Estado brasileiros são os mais empobrecidos(as).
O pensamento moderno, universalizado politicamente pela Revolução Francesa(1789), bradava os princípios liberais “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. Esta revolução burguesa, insurgida da revolta contra o Estado Absolutista, não deixava dúvida, ou a Democracia era econômica, ou jamais seria política. Ou seja, só há liberdade individual se a igualdade social for um fato e isto só se verifica onde não há desigualdade econômica estrutural, mas para isso é preciso que a Sociedade desenvolva valores morais adequados e eduque seus membros a serem fraternos, solidários.
Se não, vejamos: Qual a liberdade de escolher, seja na política ou qualquer outra situação, de quem passa fome? Qual a liberdade de escolher, de quem nem conhece as alternativas possíveis? Claro que existe uma gradação de liberdade, que leva a pensar a Liberdade como, ao mesmo tempo, produto e fator de desenvolvimento socioeconômico. Ou seja, quanto mais condições materiais e conhecimento o indivíduo possui, mais liberdade ele tem. Quanto mais condições materiais e conhecimento o individuo possui, mais ele pode contribuir para a Sociedade. Logo, por óbvio, quanto mais indivíduos dispuserem de condições materiais e conhecimento, aí sim o processo de desenvolvimento socioeconômico ocorre, elevando o padrão das condições materiais e de conhecimento como um todo, melhorando sustentavelmente a qualidade de vida de todos e todas.
O principal fator de qualquer crise econômica é a queda do poder aquisitivo das famílias. Ora, por que o auxílio emergencial é pauta central e divide até os economistas ultraconservadores? Vide a Grande Crise de 1929 nos EUA, que foi superada a partir da injeção de renda via frentes de trabalho. Na grande crise de 2008, da mesma forma. O principal fator que limita nossa produtividade, tanto na agricultura, quanto na indústria e serviço é a qualidade educativa média da “massa de mão de obra”. Até nos serviços domésticos é fácil constatar esta realidade que rebaixa a qualidade de vida e eleva o custo de todos e todas.
Há muito, a ciência econômica descobriu que o que gera riqueza é o giro e não o estoque de renda. Até porque o giro distribui e democratiza consumo, trabalho e oportunidades. O estoque concentra e provoca desigualdades de riqueza e poder, que no nosso caso são extremas, prejudicando a todos com relações insustentáveis e nenhuma fraternidade.
Economia e política são faces da mesma moeda, a moeda do poder. Portanto faz sentido a ideia de que a Democracia, além de política, também precisa ser econômica. E, alcançando seu sentido de fator de desenvolvimento sustentável e humano, a Democracia também precisa ser racial, religiosa, de gênero, geração e origem. Sabe porquê? Porque a chave moral para o desenvolvimento é a dignidade, sem construirmos a dignidade como cultura do cotidiano da nação, continuaremos a nos rebaixar enquanto nação entregando nossa soberania, nossos recursos e riquezas ao mesmo tempo em que renovamos nossa herança colonial, adorando tudo que é “importado”, porque pouco nos importa…o outro. O crime e a corrupção se alimentam desta mesma matriz.
O combate à crise que vivemos e o desenvolvimento econômico que desejamos, exige a Democracia. Uma Democracia em todas as direções, política, econômica, social e, principalmente, enquanto cultura, enquanto hábito do cotidiano, presente em cada relação entre humanos, na família, no trabalho, na escola, no partido, na igreja, em todos os lugares.