Da fortaleza às fábricas: A formação do bairro do Reduto – Por Heber Gueiros

Doca do Reduto por volta de 1900 (Foto: Instituto Moreira Salles)

Desde a sua origem, o bairro do Reduto desempenhou importante função comercial para Belém do Pará. A localização à beira rio favoreceu a instalação de vários estabelecimentos comerciais que se favoreciam pela chegada de mercadorias vindas dos munícipios ribeirinhos e descarregadas na doca do Reduto. Contudo, a nomenclatura do bairro surgiu de um propósito ainda mais antigo daquela área, ligado a defesa da cidade.

Nos primeiros dois séculos de ocupação, Belém desenvolveu-se pautada no modelo de urbanismo militar português, cuja diretriz era edificar bases militares, fortificações, para garantir a posse e a defesa do território, de onde eram escoadas as riquezas. Modelo este já praticado em outras colônias portuguesas. Dada a hidrografia original do território, com muitos igarapés, cursos d’água e terrenos alagados, o povoamento da capital da província seguiu inicialmente o traçado do litoral da baía do Guajará. Tendo partido para a interiorização para o continente apenas na segunda metade do século XVIII.

Paralelo a esta expansão, visando aumentar a defesa da cidade ao norte, o Governador da Capitania-Geral do Pará, Fernando da Costa de Athaide Teive, mandou executar, no ano de 1751, a construção de um forte, um reduto, na orla guajarina, batizado “Reducto de São José”, localizado no flanco direito do Convento de Santo Antônio, próximo ao igarapé então existente – que, pela proximidade, recebeu a alcunha de “igarapé do Reducto”, cujas águas nasciam nas proximidades do Largo da Pólvora (Praça da República) e desaguavam na baía.

Com base em documentação da época, depreende-se que o provável local onde existiu o antigo reduto ainda hoje guarda sua função militar: supõe-se que este seja, aproximadamente, onde está erguido o Complexo Histórico Tiradentes da Polícia Militar do Pará, prédio do século XIX, na esquina da Rua Gaspar Viana com a Avenida Assis de Vasconcelos. A fortaleza original era circundada por uma paliçada de madeira, artilhada com quatro canhões, integrando o sistema de defesa existente naquele litoral, juntamente dos Fortes do Castelo, da Barra (em uma ilha em frente a cidade) e o de São Pedro Nolasco (atual local da Estação das Docas).

Passado quase um século da sua construção, em 1842, o presidente da Província, Bernardo de Sousa Franco, consultando o governo central, consegue a autorização do Ministério da Guerra para a demolição dos restos das fortificações que já se encontravam praticamente em ruínas pelas intempéries do clima amazônico e a falta de devida manutenção. Respectivamente, o Forte de São Pedro Nolasco, demolido para a construção do cais da recebedoria, em frente ao antigo convento das Mercês, e o Reduto de São José, que foi ao chão para serem levadas até o rio as travessas da Piedade e da Estrella (hoje Assis de Vasconcelos).

Naquele tempo, o comércio se dava em torno do rio, como se este fosse a rua dos mercadores. Em consequência, devido a atividade comercial crescente na região, o processo de urbanização levou a conversão do então Igarapé do Reduto em uma doca – que passaria a se chamar Doca do Imperador – por volta de 1851. As docas tinham a função de pequenas feiras livres, oferecendo um vasto espaço de negócios e abrigo seguro para as canoas que aportavam abarrotadas de mercadorias. O comércio era tocado ali nas montarias e igarités, nos pregões de rua das vendedoras descalças, pela molecada de leva-e-traz, pelos carregadores e carroceiros. Também estavam por lá as vendas a retalho de libaneses e portugueses, onde a farinha e o peixe sempre eram objeto de animadas transações.

As duas docas daquela região, apesar de situadas no mesmo bairro, se formaram de diferentes igarapés. A primeira se originou do referido Igarapé do Reduto – que nos anos 1930 chegou a ser  aterrada e transformada em uma praça, mas, devido a problemas de saneamento, foi reaberta e mantida até hoje como um canal, sem nenhum apelo estético. A segunda se originou do Igarapé das Almas que foi transformado também em doca para atender ao comércio naquela área antes mesmo do aterramento da Doca do Reduto e que, após uma grande reurbanização iniciada na década de 1960, e concluída na de 1970, transformou-se em uma área de foco atrativo do mercado imobiliário.

O aterro e a construção destas docas favoreceram a ocupação da área do Reduto. Situação que perdurou até os últimos anos do século XIX, quando crescia de forma extraordinária a exportação de borracha e a cidade se transformara num grande centro exportador do produto e importador de variedade de produtos europeus. A capital da borracha  prescindia cada vez mais do aparelhamento da estrutura portuária. Por este motivo, em 1906, o magnata norte-americano Percival Farquhar recebeu a autorização do governo federal para execução das obras do porto de Belém, além da concessão para explorar os serviços portuários, através da empresa Port of Pará Co..

Deste modo, o processo de urbanização da expansão da área portuária acarretou o fechamento das docas e extinção da navegabilidade. Cerca de 1,2 milhão de metros cúbicos de areia foram retirados do fundo da baía do Guajará e utilizados para aterrar completamente o cais primitivo da cidade e construir o Boulevard da República (Avenida Marechal Hermes e Boulevard Castilhos França), inaugurado em 1912. Isto acabou contribuindo para levar, entre outros fatores, o bairro do Reduto à decadência, com o enfraquecimento do comércio local.

Somente com o declínio da economia gomífera o bairro voltaria a despertar o interesse do capital empresarial. A localização junto ao porto favoreceu o surgimento de fábricas, dos mais variados produtos, que atendiam o mercado local e externo com os mais variados produtos, e cujas edificações marcam a paisagem do bairro até os dias atuais. A concentração de indústrias, consequentemente, induziu uma grande concentração de operários que nelas trabalhavam. A construção de habitações simples e populares tornou-se outro negócio lucrativo para os industriais, que construíam vilas operárias junto a suas fábricas, cobrando aluguéis dos funcionários que não possuíam moradia. Esta característica consolidou a representação do Reduto como bairro operário desde o início do século passado.