Corrupção: Ética e Moral na Economia – Por João Arroyo

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Por João Claudio Tupinambá Arroyo

Recomenda a experiência que diante de um problema se tenha a sabedoria para, ao tentar resolvê-lo, não se crie um segundo, terceiro etc. A questão da corrupção que tanta indignação nos causa, também exige prudência por se tratar de uma questão complexa, como veremos. E a história está repleta de exemplos que nos ensinam que não há nada pior do que abraçar soluções simples diante de problemas complexos. Mais uma vez, o conhecimento é o caminho.

Um estudo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), elaborado em 2012, projetava que a corrupção desvia entre 1,38% e 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB) ao ano. Levando em conta o último PIB consolidado disponível, do ano de 2020, que fechou em 7,4 trilhões de reais, isso equivale a um montante, entre 102,12 bilhões de reais e 170,2 bilhões de reais, em valor nominal.

Mas a abordagem geral deste fato traz uma corrupção de sua real natureza. Tentam, e conseguem, passar para a maioria das pessoas, a ideia de que a corrupção é uma ocorrência principalmente do espaço público, dos governos, por iniciativa dos políticos, motivada por sua formação moral individual. Mas o que já chama atenção neste discurso é que este problema só acontece com os outros… Ora, a história também demonstra que o discurso da corrupção é um artefato de artilharia política muito antigo, da Grécia, passando por Roma, Lisboa, Londres, Nova York e todos os continentes e nações. Pense, se indigna a todos, porque não se resolve?

A reflexão sobre este processo é importante e exige olhar por outros ângulos que nos dêem um panorama mais completo e daí possamos entender sua natureza.

O que os fatos indicam sobre ser um fenômeno principalmente do espaço público? Desde os anos 1980 a palavra compliance faz parte do vocabulário e do dia a dia dos executivos empresariais brasileiros, mas ganhou novo impulso em 2013, com a Lei Anticorrupção. Desde a promulgação dela, infringir algumas determinações pode resultar em multas pesadas, em risco de imagem para a empresa. O termo compliance vem do inglês to comply, que significa “agir de acordo com uma regra, uma instrução interna, um comando ou um pedido”. Um programa de compliance não é apenas uma ferramenta para evitar corrupção nas empresas privadas, mas funciona como uma espécie de guia, mostrando aos funcionários como devem agir em cada caso específico, de acordo com as regras estabelecidas pela própria organização particular. Compliance também está profundamente inserido nos pilares do que chamam Governança Corporativa (Transparência, Equidade, Prestação de Contas e Responsabilidade Corporativa) e assegura que a empresa privada está cumprindo à risca todas as obrigações impostas por órgãos de regulamentação, dentro dos padrões exigidos para o seu segmento.

Tanto pelos custos financeiros, quanto pelos custos mercadológicos, a corrupção deve acabar. “A corrupção nas empresas particulares é um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento do Brasil, afetando instituições públicas e privadas, intensificando a instabilidade política, causando a distorção da concorrência, afetando a competitividade e os mecanismos de livre mercado, deteriorando a qualidade de produtos e serviços” de acordo com o Instituto empresarial ETHOS. Segundo pesquisa do Business and Industry Advisory Cometee (BIAC) da Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE), o custo da corrupção no mundo é da ordem de 5% do PIB global, o que corresponde a cerca de 3 trilhões de dólares anuais e eleva o custo global de fazer negócios em aproximadamente 10%.

Portanto, como pudemos conferir, a corrupção no mundo privado, é uma grande preocupação das grandes organizações globais e movimenta montantes até superiores ao atribuído ao mundo público. Mas este seria um debate vazio já que a corrupção no espaço público só é possível pela corrupção no espaço privado portanto, se complementam. Ora, no espaço privado, até é possível haver corrupção sem participação de agentes públicos como na interação entre empresas seus fornecedores e acionistas. Mas é simplesmente impossível ocorrer corrupção no espaço público sem que tenha a participação de agente privado.

Mais que natural. Os agentes públicos não geram valor, contratam produtores de valor, quer sejam fornecedores ou executores de investimentos públicos. Portanto, a decisão da corrupção no espaço público passa sempre pela decisão de algum agente privado. Então, se todas as empresas privadas se juntassem, a partir das grandes, e decidissem não aceitar a corrupção, este processo sofreria um duríssimo golpe.

No caso da democracia brasileira, o setor privado ainda tem uma segunda responsabilidade central neste contexto. O financiamento das campanhas eleitorais dos políticos é majoritariamente privada. A grande maioria dos político faz campanha com dinheiro arrecadado entre seus financiadores privados. A ampla maioria dos vereadores, deputados e senadores, assim como prefeitos e governadores, são financiados pelas empresas e indivíduos de alta renda. Logo, se as empresas financiarem políticos que não se corrompam, também seria uma ação extremamente importante. Mas claro, o remédio final é a educação política do conjunto da Sociedade.

Concluímos assim, que a composição da natureza da corrupção não é principalmente pública, mas tão pública quanto privada, até porque se complementam e se unem para assaltar o que é arrecadado em impostos. Arrecadação em que mais de 85% vem de brasileiros com renda inferior a 10 salários mínimos, ou seja, o Brasil é sustentado pelas classes C, D e E, que são quem mais sofrem com a corrupção, até porque mais dependem dos investimentos públicos. Além disso, são exatamente a massa de trabalhadores assalariados que nem sonegar impostos conseguem por já serem descontados na fonte. Portanto, a corrupção também tem, em sua natureza, um recorte social e de renda.

Comparado aos outros países, o Brasil ocupa hoje a 94ª posição, de um total de 180 países e territórios. Em 2019, o Brasil obteve 35 pontos na avaliação do IPC (Índice de Percepção da Corrupção). Ou seja, estamos no bolo do meio do ranking mundial, ainda há outros 86 países piores que nós, o que quer dizer que ao mesmo tempo em que não podemos arredar um milímetro deste combate, também não podemos cair na prostração de quem diz que somos os piores do planeta para induzir o sentimento de que não há o que fazer para mudar esta realidade.

Ora, se a corrupção faz parte da realidade do espaço público e privado então precisa ser refletido como problema da Sociedade como um todo, tanto em sua dimensão legal quanto cultural. Tanto moral quanto ético. A tentativa de firmar entre as pessoas a ideia distorcida de que a corrupção é uma opção moral de um setor específico de indivíduos (apenas os adversários) é uma manipulação grosseira que apenas forja o ambiente para justificar seus próprios atos corruptos. Trata-se da velha estratégia política de fazer do outro um monstro, para justificar suas próprias monstruosidades. E assim, as reputações vão sendo desumanizadas e demonizadas…

Ética é cumprir o combinado, inclusive socialmente. O Art 3º de nossa Constituição Federal, define os objetivos que justificam nos constituirmos uma nação. Item fundamental em torno do qual aceitamos nos sacrificar e construir o país desde que todos/as os brasileiros, sem qualquer exceção, mereçam investimentos e esforços efetivos para que os objetivos anunciados se realizem. Ou seja, o acordo é o seguinte, aceitamos trabalhar duro, cumprir as leis e pagar os impostos desde que tenhamos uma Sociedade que claramente, a cada dia mais, seja “livre, justa e solidária”, que “o desenvolvimento seja nacional”, que “ a pobreza seja erradicada” e que não haja “qualquer forma de discriminação”. Este é o acordo escrito e firmado em Lei Magna. Ser ético é concreto, é prático, é fato. Não estar com as ações em acordo com o Art. 3º, é não ser ético. Não ser ético é corromper as bases fundamentais do acordo que nos torna sócios na construção do país, que nos torna partícipes da mesma Sociedade, nosso Contrato Social.

Temos hoje 20 milhões de brasileiros passando fome, que não passavam até 2014 quando a ONU declarou o Brasil livre da fome. Em 2014 vivíamos em pleno emprego, hoje 15 milhões estão desempregados. Direitos vilipendiados reforma pós reforma, 600 mil mortes por Covid, pelo menos 400 mil evitáveis, salários corrigidos abaixo da inflação perdendo o poder de compra e o grande setor empresarial varejista nacional ainda bate palmas. O consumo das famílias cai, as micro e médias empresas padecem e os grandes concentram e se fundem criando oligopólios gigantescos, concentrando renda e poder. Isso não está no nosso acordo. Mas a crise….Opa! ao mesmo tempo as ações das principais empresas de proteínas(carnes), Marfrig, JBS, a fusão Sadia e Perdigão….batem recordes, assim como os Bancos, sem exceção, no auge da pandemia. A crise não é para todo mundo. Isto também não está no acordo. A Constituição Federal, lei máxima do país, está sendo corrompida…

Metade de tudo que arrecadamos de impostos, vai diretamente para o pagamento da dívida pública que há mais de 20 anos recusam auditar. Mais de 3 trilhões que vão direto para credores internacionais e banqueiros e sua maioria. Não há maior corrupção do que a desigualdade de poder e riqueza.

Medir o desenvolvimento econômico apenas pelo PIB(Produto Interno Bruto) já induz ao grave erro de confundir melhorar com aumentar, PIB mede apenas crescimento, e somos grandes, estamos entre as 15 maiores produções do planeta, trabalhamos muito. Ora, melhorar a qualidade de vida, tem mais a ver com consumo do que com a produção. Então o Consumo das famílias merece destaque igual. Veja, se a sua casa pegar fogo e for totalmente destruída, sua qualidade de vida tende a cair significativamente, até porque você terá que construir outra casa, quando vc for comprar tijolo e cimento, o PIB aumenta. Logo, o PIB sozinho não serve para nos dizer se estamos realizando os nossos objetivos enquanto nação, tal como acordado entre nós e registrado legalmente na Constituição Federal em seu Art. 3º. Precisamos de indicadores quantitativos de liberdade, justiça e solidariedade, de nacionalização do desenvolvimento, de pobreza e desigualdade, de discriminações, para junto com o PIB nos indicar onde precisamos investir para realizar nossos objetivos enquanto nação.