Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil
Uau! que período revelador. Em poucos momentos os fatos desenharam com tanta clareza a situação econômica, a política, as reais motivações dos sujeitos que fazem a história e as alternativas que temos a frente.
Mas antes de seguir, é preciso dizer que todos e todas nós fazemos história, por ação ou omissão. Não há neutralidade, ou a pessoa é sujeito ou será assujeitada, e também pesará para um dos projetos de Sociedade que estão em disputa. Disputa em que você participa desde o que você financia quando consome até para que programa político/econômico você delega poder quando vota, achando que está escolhendo um indivíduo, “amigo” ou “salvador da pátria”.
Mas prestem bem atenção aos fatos e como eles se articulam. Sai o Pandora Papers, Guedes investe em paraíso fiscal…Bancos festejam 62 bilhões de reais de lucro só no primeiro semestre de 2021…Moradores da periferia de Fortaleza saqueiam caminhão de lixo, procurando comida…Inflação não pára e é impulsionada pelo aumento constante da gasolina…Suspensão da compra de carne pela China foi retaliação contra “diplomacia” brasileira…CPI da Covid pede indiciamento do presidente em 9 crimes…Estudo prova que desigualdade caiu até 2016 e retornou a subir com governos Temer e Bolsonaro…Banqueiro André Esteves dá aula de ser elite no Brasil, em palestra à investidores que vazou…Equipe econômica pede pra sair por não concordar com a quebra do Teto de Gastos…Privatização dos Correios avança…Facebook suspende Bolsonaro por fakenews…De tudo o que o governo pagou, Despesa Geral da União, até aqui, 56% (2 trilhões) foram para Dívida Pública(Bancos e grandes multinacionais), reduzindo investimentos internos… PEC 32 muda a condição do funcionalismo público…Desmatamento da Amazônia é o maior desde 2012…Governo corta 600 milhões das universidades, ciência e tecnologia…Seminário Internacional de Bioeconomia, em Belém, virou evento de Bio Business(Negócio)…Usina da Paz, em Belém, é alternativa séria de combate à exclusão social e à criminalidade…Real é a moeda do G20 que mais desvalorizou no 2º semestre…Chequei todas as fontes e me dei o trabalho de escutar toda a palestra de André Esteves de uma hora, mais ou menos.
A primeira síntese possível, que é possível extrair disto tudo, é que o que está em questão é a democracia, é o modelo de gestão estratégica e de construção das soluções para os problemas da nação. Salvo na palestra-entrevista do banqueiro para altos investidores, nenhuma das outras notícias dão conta de diálogos sociais ou concertações para construção de consensos, apenas conflitos. Já vivemos a “Lei do mais forte” que, na verdade, é a condição para que não se tenha direitos. Ora, a Lei “do” mais forte é quando o mais forte faz a Lei. E, assim, a Lei se projeta quase sempre contra a justiça e o próprio direito. Nossa legislação tributária, não nos deixa mentir. Vivemos em um país em que aquele que pode menos, paga proporcionalmente mais, ao avesso inclusive do que dispõe a Constituição Federal. A cobrança da tributação das grandes fortunas, caso de apenas 20 mil dos 200 milhões de brasileiros, até hoje, é o único dispositivo constitucional que não foi regulamentado, desde 1988. Confirmando que, quando nos referimos aos mais fortes, estamos nos referindo aos que tem mais dinheiro e propriedades. E que são estes 0,1% da Sociedade que definem o destino dos 200 milhões, a nação, afetando frontalmente a liberdade política e a democracia.
Mas a entrevista do banqueiro André Esteves é a mais emblemática notícia desta conjuntura porque revela a estrutura que sustenta a situação do país. Já ao saudar os investidores, faz menção ao fato do presidente do congresso nacional lhe telefonar para se aconselhar. Deixando claro, até por sua empáfia, quem é que manda entre poder político e poder econômico. Mas esta foi a única diferença de nossa viva herança medieval da colonização quando quem mandava era o Estado. No mais, o banqueiro reeditou todo o corolário colonial.
O banqueiro, que na colônia poderia ser um candidato a Provedor-Mor, ou Governador de Província, disse que o Brasil tem que ser “barato” mas nem tanto quanto agora com esta supervalorização do dólar, com estas palavras. Disse que quiseram “ser ingleses demais” ao tentar juros de 2%(Selic), deixando claro seu modelo e sua admiração, embora em seguida se confesse adorador dos EUA, literalmente.
Esteves, é mais um banqueiro que elogia o Chile, por ter sido obediente a agenda neoliberal, mas não entende porque tantos problemas sociais por lá. E, como é o papel de quem está ganhando, como está, afirmou “o Mercado de Capitais está tranquilo”. As pesquisas que o seu banco, BTG Pactual, faz todos os meses diz que o eleitorado brasileiro é de centro direita e que mesmo que Bolsonaro continue a fazer “doidices” e Lula ganhe, “teremos ainda dois anos com o Roberto Campos como presidente do Banco Central” para garantir a estrutura econômica que os beneficia, se referindo ao Teto de Gastos(investimentos internos), para garantir a remuneração dos capitais via Dívida Pública. Disse ainda que, mesmo que passe na Reforma Tributária a tributação dos dividendos, deu a dica “dividendo é voluntário, o imposto sobre a pessoa jurídica não”, e nem explicou que na Reforma a tributação sobre a PJ deve cair significativamente.
Por fim, é preciso registrar que André Esteves, apesar da aula de como ser elite no Brasil, não é dos piores. Disse, por exemplo, reconhecer que “o Brasil inteiro era dos índios”, claro, para influenciar os latifundiários a vender tudo logo, ganhar liquidez e vir de vez para o mercado de capitais, o seu. “Essa Bolsa família de 400 reais está bom, nós podemos, o pessoal(povo) fica mais calmo, isso é importante”, apostando que é preciso manter a ordem através de uma política de renda mínima, mínima, para evitar um mal maior, que seria perder a ordem, nada a ver com diminuir a pobreza… Revelando-se assim um capitalista rentista moderado, que faz questão de demarcar com outros radicais que colocam em risco toda a estrutura que já controlam, criticando a equipe de Bolsonaro.
Se articularmos a esta informação, que revela os valores morais da maioria dos tomadores de decisão econômica, o fato da manutenção crescente do pagamento da secular dívida pública sem auditá-la e, os dados da crescente desigualdade socioeconômica que se agrava com a dolarização de produtos estratégicos, que somos auto suficientes, como o petróleo e a decorrente inflação estrutural, teremos um Modelo Econômico lógico e coerente com as imagens de destruição ambiental, criminalidade e fome que vemos todos os dias nos noticiários. É preciso que cada um reflita a conexão entre a precarização moral de parte importante dos “de cima”, das decisões que concentram renda, riqueza e poder, com a miséria galopante, a criminalidade e a desigualdade. São as decisões políticas e econômicas que geram a realidade social e ambiental.
Logo, precisamos entender que o novo modelo de desenvolvimento que precisamos, precisa estar assentado sobre um novo leito de valores morais, que orientem uma nova conduta, uma nova ética, pública e privada. A ideia de sustentabilidade, ao mesmo tempo econômica, social e ambiental, precisa ser o ponto central de uma reeducação da Sociedade como um todo, desde a escola até os critérios dos contratos públicos e seus financiamentos. Sim, uma mudança para uma nova lógica, uma nova racionalidade, onde novas riquezas precisam ganhar valor, como a segurança, a paz, ar puro, educação de qualidade para todos sem exceção, felicidade social etc. A Agenda 21 e os ODS são excelentes referências para esta construção que se não é de curto prazo, precisa de decisão e investimentos imediatamente, por isso saudamos a inauguração da primeira de 9 Usinas da Paz, investimento que precisa orientar o conjunto das políticas e novos investimentos do governo estadual.
Mas ficamos preocupados ao ver o inédito evento sobre Bioeconomia sofrer a tentativa de ser reduzido a Biobusiness(negócio). O novo não está no produto, está no processo. É o processo que concentra e, por isso, devasta. E é muito, muito importante perceber que a floresta é um estilo de vida, não apenas de produção. Portanto, na base desta mudança está uma mudança de valor, de orientação de vida, de significado de sucesso. Sem tratar o processo o resultado será muito parecido. É preciso entender que ao se referir à devastação da floresta, está se referindo à devastação de árvores, toda a biodiversidade, incluindo com destaque pessoas, seres humanos. Enquanto não nos indignarmos com a fome, com a miséria, e todas as mazelas evitáveis, deixaremos de nos humanizar ao não viver o principal valor da vida, a Solidariedade. Irmãos?
Sem a construção de uma nova moral, uma nova pisiquê, e uma nova educação econômica, os processos e fluxos de riqueza continuarão na direção da superacumulação que se vive hoje no mundo solapando a democracia e a própria liberdade de mercado. O valor da Sustentabilidade e a estruturação de uma Bioeconomia como base, são fundamentais e decisões estratégicas corretas, os números que a equipe do Prof Francisco Costa, o Chiquito – aquele que foi pra Oxford dar aula de sua obra e que aqui poucos decisores conhecem – levantou que apenas 30 produtos da florestas movimentaram em 2019 mais de 5,4 bilhões de reais. E, o melhor, 40% disso permaneceu no interior, próximo das comunidades, milhões de pessoas. Sim, é viável, além de desejável. E nem contou com o que movimenta a mandioca, por exemplo. Mas sem novos valores, pouco adianta novos produtos…para se ter um novo modelo de desenvolvimento, de verdade.
Dúvidas, críticas e sugestões para: [email protected]