Foto: Divulgação/Agência Pará
Uma oportunidade só se realiza quando estamos preparados(as). Estar preparado(a) é quando temos objetivos e estratégias claras para, a partir das condições presentes, saltar para uma nova condição aproveitando o alinhamento de fatores específicos do momento, a tal oportunidade. Portanto, a oportunidade só se realiza quando há conhecimento.
Conhecimento é ação pensada. Teoria sem ação é informação ou mero discurso. Ação sem teoria é reação. Conhecimento é a aplicação prática de observações, reflexões e elaborações capazes de resolver problemas reais.
Ora, se queremos fazer da COP30 uma oportunidade para interiorizar e fixar investimentos de melhorias nas condições de vida na região e, ainda conquistar papel protagonistas em processos permanentes, como o diálogo nacional e internacional sobre o papel da Amazônia no Brasil e no Mundo, teremos que merecer, ou seja, estar preparados, que quer dizer, ter os conhecimentos necessários.
O primeiro conhecimento fundamental é a História – a ciência das ciências. Como chegamos aqui e porquê somos o que somos. Neste ponto, entre tantas possibilidades importantes, sugiro duas: 1) a relação dos seres humanos com este território do planeta e 2) Como as grandes Conferências da ONU sobre Desenvolvimento tem se relacionado com a Amazônia.
Como provocação à reflexão…
1) A história humana neste território tem 12 mil anos, portanto, precisamos conhecer melhor as soluções que as civilizações anteriores aos europeus, deram para problemas como o uso de recursos naturais e a preservação da floresta, como a garantia das condições vitais para uma vida digna a todo e qualquer ser humano, como a convivência próxima entre civilizações tão diferentes, que somavam mais de 5 milhões de indivíduos na calha do Rio Amazonas, sem poluí-lo. Precisamos deste aprendizado cumulativo, claro, sem abrir mão do que na sequência os europeus trouxeram e presta, segundo nossos próprios critérios. Assim como, precisamos entender, como foi que passamos a entender como normal ter criança abandonada, ter gente passando fome, ao mesmo tempo em que o consumo de recursos naturais é muito acima da capacidade de regeneração da floresta, ao mesmo tempo em que já temos produção para simplesmente acabar a miséria no mundo. Um exemplo, o Brasil possui 12 milhões de imóveis vazios e 4 milhões de famílias sem teto, o que normaliza este fato? Como pensar e reinventar um futuro humanista sem focar, refletir, entender e resolver estes pontos?
2) As Conferências das partes sobre a Crise Climática da ONU, COP, começaram em 1995. Lembrem que em 1992, a ONU tinha realizado a EcoRio’92, a II Grande Conferência da ONU sobre Desenvolvimento, após a primeira realizada 20 anos antes em Estocolmo, na Suécia. Ou seja, na pluralidade da ONU, logo após a Rio’92, surge um movimento para que os questionamentos sobre o Modelo de Desenvolvimento não evoluíssem, reduzindo o debate à questão climática como se não houvesse qualquer impacto antrópico, dos seres humanos e sua economia no ambiente. A Rio +5, + 10 etc foram conferências menores que constatou o total desprezo das grandes potências aos parâmetros de Desenvolvimento acenados na Agenda 21, produto diplomático da Rio’92. Ocorre o esvaziamento dos acordos a partir da Agenda 21 e passam a reforçar as COP’s onde o desafio é a Crise Climática por culpa da própria natureza e uma pequena contribuição humana na emissão de gazes que provocam o efeito estufa, coisa que se resolve tecnologicamente, carros elétricos etc, mantendo intacto o Modelo de Desenvolvimento. Em 1997, a COP aprova o famoso Protocolo de Kyoto, que só foi ratificado em 2004 e até hoje não cumprido pelas principais potências industriais do planeta. Em 2015, a COP sela o Acordo de Paris, mais uma vez focado no sintoma e não na causa do aquecimento global, estabelecendo que “todos” trabalhariam para que o aquecimento global não ultrapassasse 2 graus centígrados. Em 2017 o maior poluidor, os EUA, se retiram do acordo. De lá para cá, mais do mesmo. Com o agravante do apequenamento do Brasil no cenário internacional de 2016 a 2022, o papel da Amazônia se manteve fora dos debates e a participação dos amazônidas, um sonho. Com a retomada de 2023 e a conquista da COP30 na Amazônia, colocam-se condições para realizarmos oportunidades inovadoras. Mas depende de nós.
Ainda temos dois anos pela frente, mas os sinais são preocupantes. O complexo de vira-lata, de Roberto da Matta, se estampa nos jornais com o anúncio de contratações milionárias de instituições de fora, quando temos aqui capacidade instalada suficiente, principalmente nas universidades. Como será possível fixar melhorias sustentáveis nas condições de vida amazônidas, sem inteligência local visceralmente agregada?
Inteligência que não está apenas nas universidades, mas em vários segmentos da Sociedade Amazônida. Diálogo fundamental para a inovação que mais precisamos, a superação da exportação de valor que nos castiga desde as Capitanias Hereditárias.
Exportamos valor, principalmente, quando importamos inteligência de fora por alto preço dos nossos cofres, sem qualquer processo de apreensão daquilo que de fato poderia somar. Nenhuma nação, em toda história mundial, jamais se tornou potência exportando valor, ou seja, dando valor “aos outros”. Sem defender o próprio território, o que inclui nossa inteligência e modo de vida, jamais seremos reconhecidos e respeitados. Precisamos virar esta chave mental.
Temos nós que explicitar que desenvolvimento nos interessa e quais as referências de enquadramento das iniciativas de investimentos e políticas públicas devemos adotar. No seio do movimento pelo Protagonismo Amazônida, propomos:
Concepção de Desenvolvimento
O Desenvolvimento consiste em um processo permanente inerente à própria existência. Processo síntese entre outros processos de natureza, específica de seres vivos e não vivos e, a partir das condições humanas, processos sócio-culturais, portanto político-econômico, portanto, territorial e tecnológico.
Síntese que, a partir da dimensão humana, pode ser influenciada, e até dirigida, conforme a sociabilidade dada, entendida como os termos que conformam a Sociedade entre os indivíduos, sócios. Termos estabelecidos a partir da subjetividade contida na dinâmica historicidade de um grupo, povo ou humanidade. Portanto, o principal elemento que marca um processo de desenvolvimento é o cultural, o conjunto de valores, crenças e conhecimentos que se estabelecem como comportamento individual hegemônico e cotidiano, daí a Educação como principal investimento e política pública.
Da Cultura específica da determinada população, indígena, quilombola, urbana etc, é que é possível identificar sua dimensão política, econômica, tecnológica etc. Portanto, todo processo de desenvolvimento é impresso por uma dada cultura. Daí a necessidade de passarmos a trabalhar a percepção, desde a nossa própria historicidade e territorialidade, do que podemos designar como Desenvolvimento Amazônida, e passarmos a elaborá-lo a partir do princípio de que Economia não é fim, é meio para a melhoria da qualidade de vida e realização humana de todos e todas, ao mesmo tempo, portanto, democrática, sustentável, solidária e diversa.
Critérios para enquadramento de Políticas Públicas, Créditos e Investimentos
Considerando a dinâmica da nossa historicidade, no contexto de nossa territorialidade, cuja referência são os 12 mil anos que há experiência humana aqui, o Desenvolvimento Amazônida precisa conter, pelo menos, os seguintes elementos:
– Pluralidade e diversidade em todas as dimensões, exceto às que atentam contra à pluralidade e a diversidade.
– Partir da territorialidade e da historicidade da(s) população(ões) envolvidadas.
– Ser construída a partir da livre adesão com base na informação e total transparência, na formação e na educação para participação qualificada de todos e todas.
– Ter como centro, a melhoria da qualidade de vida social, política, econômica, tecnológica etc, tal como o entendimento cultural, em diálogo, de cada população envolvida.
– Estabelecer metas de internalização de melhorias desde a engenharia de obras e infraestrutura, até a internalização de processos permanentes de produção, comercialização e distribuição de renda para a melhoria da qualidade de vida na Sociedade como um todo.
Indicadores de monitoramento, avaliação e prestação de contas
– Taxa de Melhoria da qualidade de vida local, integrando Educação, Saúde, Saneamento, Moradia, Renda, Infraestrutura, Ambiente e Participação Política.
– Nível de Participação da população envolvida na iniciativa específica.
– Taxa de formação de capital bruto local em relação ao total do empreendimento
– Indicador de trato adequado dos recursos incluindo pessoas, insumos locais, insumos externos
– Indicador de respeito aos DHESCA, Direitos Humanos, Econômicos, Culturais e Ambientais.
– Taxa de Lucro Social, relacionando lucro privado, lucro ecológico e contigente beneficiado em sua qualidade de vida material concreta.
É natural a estranheza diante de algo novo. A inovação e a mudança trazem desconforto, questionam “certezas”… O que precisamos desnaturalizar é a escolha da submissão.
Por João Claudio Tupinambá Arroyo