A Proclamação da República e a construção da Belém republicana – Por Heber Gueiros

Monumento à República (Álbum de Belém, 1902, Fidanza)

Ao andar pelas ruas de Belém do Pará com maior atenção, tal qual em outras capitais históricas, somos tomados por um sentimento de estarmos sendo acolhidos pela História, já que a cada esquina encontramos placas com nomes de pessoas ou fatos importantes, seja do contexto regional, nacional e até mesmo internacional. Dito isto, é importante ter em mente que o significados dos nomes das ruas, prédios e praças, que muitas vezes estão ligados a datas e acontecimentos históricos, representam a memória coletiva de uma sociedade, de uma época.

No final do século XIX, Belém, como o Brasil em geral, foi marcada pela transformação política. Com o fim da Monarquia, entrou em cena a República. A mudança de regime, consequentemente, mudou o grupo político que estava no poder, bem como as simbologias adotadas. Concomitantemente, a cidade vivia uma revolução urbanística financiada pela riqueza gerada pela comercialização “ouro negro” da Amazônia, a borracha. A nova ordem econômica e a nova filosofia financeira nascida com a República impuseram não somente a reordenação da cidade através de uma política de saneamento e embelezamento, mas também a remodelação dos hábitos e costumes sociais. E se houve alteração em vários níveis, por que os nomes das ruas não haveriam de se modificar também? Afinal, seria incômodo a um republicano convicto caminhar por uma travessa do Príncipe ou por uma Praça denominada de D. Pedro II. Nesse contexto, a política influenciou consideravelmente na decisão do Conselho Municipal.

Com a Adesão do Pará à Proclamação da República, com o célebre anúncio de Paes de Carvalho, foi constituído o Governo Provisório, tendo Justo Chermont, como presidente, que comunicou sua investidura à Câmara Municipal, no dia 18/11/1889, sob a presidência de Antônio Lemos – o Poder municipal era exercido por um conselho,  composto de 4 a 8 vogais (vereadores), que tinha autoridade deliberativa, e por um Intendente, que era o presidente do Conselho e executor de suas resoluções – que dá-lhe posse oficial e, por unanimidade, aprova a proposta do Conselheiro Municipal Gentil Bittencourt, de mudança dos nomes das ruas do Imperador e da Imperatriz para, respectivamente, República e 15 de Novembro.

A Rua do Imperador naquele período, era considerada a mais importante da cidade, pois ficava de frente para o porto e era o tapete de boas-vindas da capital provincial. Sua localização privilegiada, ás margens da Baía do Guajará, as construções que nela foram erguidas e o número de desenhos e gravuras deste trecho da cidade executados nesse período, são indicativos de sua importância. Um mês após a Proclamação, o Conselho Municipal de Belém, também aprovou a substituição do nome da estrada de São José para 16 de Novembro, data comemorativa da adesão do Pará à República, assim como a denominação Boulevard da República (atual Castilhos França), ao trecho compreendido entre a doca do Ver-O-Peso e a rampa da Sacramenta, precisamente na área da antiga Rua Nova do Imperador. À Avenida Dois de Dezembro, cujo nome lembrava a data comemorativa ao aniversário do imperador D. Pedro II, foi dado o nome de Generalíssimo Deodoro, proclamador do novo regime.

Como percebemos, muitas das ruas que lembravam o antigo regime mudaram para nomes que refletissem a memória republicana. Para citar outros nomes de ruas que têm uma relação com a República e com personagens republicanos podemos destacar: Travessa Quintino Bocaiúva (antiga Travessa Príncipe), Serzedelo Correa, Avenida Gentil Bittencourt (antiga Rua da Constituição), Ruy Barbosa, Benjamin Constant (antiga Travessa da Princesa), Rua Tiradentes (antiga Rua da Pedreira), Avenida Senador Lemos (antiga Estrada de São João), Rua Lauro Sodré (atual Ó de Almeida), Avenida 22 de junho (atual Alcindo Cacela). Pela mesma razão, o Largo da Pólvora, que neste período era D. Pedro II, passou a ser chamado Praça da República. Com a exceção da permanência da travessa 14 de Março, uma homenagem da Câmara Municipal ao dia do
aniversário da imperatriz Tereza Cristina de Bourbon.

Percebe-se a preocupação dos legisladores municipais em homenagear as figuras políticas e fatos históricos ligados ao novo regime, gravando seus nomes nos logradouros da cidade. Isto deve-se ao fato de que a adesão à República no Pará não se deu de forma espontânea. Ela estabeleceu-se a partir de um processo marcado por propagandas políticas, acordos, conflitos, tensões sociais e outras experiências fundamentais para a sua consolidação.

O processo de construção da República no Estado do Pará teve como mecanismo de sustentação o trabalho da imprensa, na propagação e divulgação da ideologia do novo regime, principalmente, e, do mesmo modo, as comemorações cívicas e o uso intenso das simbologias republicanas. Prova disto é que muitas destas ruas, praças e prédios republicanos foram constantemente fotografadas e registadas nas publicações dos Relatórios Municipais da Intendência de Belém, com intuito de guardar a memória do início daquele novo regime. Esta indução do imaginário social é imprescindível em momentos de mudança política e social, para redefinição de identidades coletivas.