Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
Por João Claudio Tupinambá Arroyo
Você já comeu urtiga? Eu já. Sim, aquela planta que tem um poder de irritar onde encosta e dar uma coceira de arrancar a pele com a unha. Comi, aqui em Belém. Foi uma das iguarias mais finas servidas em um evento de PANC, Plantas Alimentícias Não Convencionais. Comi na forma de uma deliciosa lâmina crocante, salgadinha, com doce de cupuaçu, se não me falha a memória. E, explicaram que além daquela forma crocante, poderiam fazer de outra forma que poderia substituir a alga que se usa para fazer sushi.
Depois serviram talo de Vitória Régia, muito parecido com Aspargo. As apresentações se sucederam demonstrando inúmeros alimentos gerados pela Floresta Amazônica, tipo Jambu ou camapu, um “mato” que dá em qualquer lugar, de qualquer jeito, o tempo todo, sem precisar de nenhum defensivo ou adubo – um sonho para qualquer produtor. E o melhor, sabores, aromas e texturas capazes de arrebatar qualquer mercado consumidor desde que recorra a conhecimentos produtivos e mercadológicos adequados.
A esse incrível potencial gastronômico, pense somar economicamente o que se pode trabalhar com fármacos, fitoterápicos, cosméticos, óleos, extratos também vindos da Floresta. Agora, vamos permanecer na Floresta mas mudar de reino, vamos para o animal. Comecemos com o pescado. Os maiores produtores de pescado de água doce são China, Bangladesh, Chile, Egito, Índia, Indonésia, Noruega e Vietnã. Bem, considerando que somos a maior bacia de água doce do planeta é curioso ficar atrás do Egito, que tem cerca de um único rio importante, o Nilo. E, perder para o estreito Chile, na água salgada vá lá, mas em água doce? E por aqui encerramos o reino animal para não passar mais raiva.
A Amazônia, em cálculos muito cautelosos, detém pelo menos 15% da biodiversidade de todo o mundo. Considerando que as pesquisas são muito escassas e o conhecimento acumulado estima que a maior parte do potencial econômico da Floresta ainda não é conhecido, esta percentagem pode ser maior. A biodiversidade amazônica é mesmo impressionante. Só não impressiona parte irracional de “empreendedores”, e tomadores de decisão política, que preferem queimá-la a conhecê-la.
Agora junte – sim junte, não precisa a priore excluir nenhuma alternativa produtiva – todas as possibilidades da produção que já temos experimentado, só que de maneira predatória em grande parte, madeira, gado e grão, passemos a sustentavelmente zonear, dimensionar e padronizar tecnologicamente, incluindo manejo, de maneira adequada às condições amazônicas. O turismo é outra possibilidade tradicional riquíssima que diversifica positivamente este cenário.
Da mesma forma, vamos reolhar estrategicamente para o reino mineral, reinterpretar e ressignificar o potencial da maior jazida de ferro do mundo, a maior operação de bauxita do planeta e todos os recordes minerais que temos, apenas na formalidade estatística – não na economia real de nossas ruas e vilas. Com um novo olhar econômico, novas soluções podem ser descortinadas para o curto, médio e longo prazos, a começar por elaborar pela primeira vez um Projeto de Desenvolvimento Sustentável como plataforma programática consensuada socialmente, por todos os setores organizados. Um sonho. Mas me diga, o que não começa com um sonho….e em 2006 bateu na trave, era o que estávamos trabalhando na Sudam, ou seja, é possível – mas essa é outra história… Bem, tudo o que vimos até aqui foram só matérias primas. E a maioria dos compêndios liberais de economia ensinam, desde Adam Smith, que os fatores de produção são cinco: além das matérias primas(Terra), o Trabalho(Humano), o Capital(investimentos), a Tecnologia(conhecimento) e a Capacidade Gerencial(política). Se seguirmos estes pontos como um roteiro, podemos analisar melhor o potencial econômico da Amazônia já que não basta ter matérias primas se não tivermos outros fatores que as transforme em produtos e gere riqueza para a Sociedade.
Com relação ao fator Trabalho, temos mais de 20 milhões pessoas na região, quase metade disso, mais de 8 milhões, no Pará. Considerando as promissoras matérias primas florestais que destacamos, nossa população tem uma vantagem muito especial, parte importante dela tem intimidade com a Floresta, já sabe identificar plantas e animais que para qualquer outro seria necessário gastar muito com treinamento e capacitação, um custo a menos. Outra parte importante de nossa população está totalmente integrada ao que há de mais moderno em tecnologias de comunicação social e, como a outra, culturalmente aberta a absorver os conhecimentos técnicos mais inovadores. Agora, imagine se trabalhássemos a integração e complementariedades entre essas habilidades. Ou seja, não temos nenhum obstáculo analisando este “fator”. Que, na verdade, não é fator, é gente.
Considerando o que já temos disponível para Investimento(Capital) na esfera pública, como na Sudam, no Banco da Amazônia, outros fundos, inclusive os estaduais, como o Banpará, suficiente nunca será, mas a questão imediata é de reorientação de prioridades e não falta de recursos. Mas, se considerarmos o potencial de oferta de recursos internacionais para projetos de desenvolvimento sustentável, que trabalhe a inteligência da Floresta em pé, como base produtiva, e ainda continue a prestar os Serviços Ambientais que presta ao mundo, com certeza o montante hoje possível pode ser multiplicado várias vezes. Ou seja, por incrível que pareça, recursos para investimento não são um obstáculo intransponível para começarmos a induzir um novo padrão de estratégia econômica de desenvolvimento sustentável.
Tecnologia, no entanto, é um fator que nos fragiliza. Principalmente no sentido de converter conhecimentos, inclusive os já produzidos, em técnicas e equipamentos produtivos aplicados. A gigantesca oportunidade para gerar riquezas que significa a articulação da ciência, todas elas, com as frentes de iniciativas de políticas públicas e empreendimentos para o desenvolvimento econômico e sócio-ambiental da Sociedade, ainda é uma tarefa a ser realizada, com honrosas tentativas que bravamente insistem em mais este sonho. Esta limitação nos fragiliza mas não dos bloqueia porque é tributária do quinto e último elemento desta análise.
Nossa Capacidade Gerencial precisa de novas referências estratégicas e conceituais. Alguns deste novos paradigmas necessários, tratamos na coluna anterior como “Tabus”. Mas podemos recorrer a uma síntese simples e muito conhecida que diz assim: “Nação desenvolvida não é onde o pobre tem carro, mas onde o rico anda de ônibus”. Se adotarmos esta perspectiva para nosso auto olhar, para nos olhar como amazônidas, como quem não tem mais para onde ir, como quem vai viver aqui e pronto, superando o sonho colonial de viver na “matriz”, aí teremos mudado o foco econômico do Crescimento para o Desenvolvimento. Quando virarmos o seletor conceitual e deixar de trabalhar com “mão de obra” e passar a trabalhar com “Pessoas”, pagar bons salários vai deixar de incomodar tanto porque vamos entender que além de custo, salário é renda, é consumo, que se for qualificado significa qualidade de vida, qualidade de gente e quanto melhor forem as pessoas, melhor será pra cada um de nós e todo mundo ganha. Precisamos de uma nova cultura política, e não nos referimos aos políticos. Mas aos que os financiam e votam.
Bem, agora sim podemos estar diante de um obstáculo real. Mas é só uma questão de decisão. Qual é a sua?