Segredinho da Economia: O poder do Consumo – por João Arroyo

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Por João Claudio Tupinambá Arroyo

A propósito do Centenário de Paulo Freire, eu sempre me perguntei por que não ensinam Política e Economia desde o fundamental? Se estes são os dois conhecimentos básicos para se viver em Sociedade, precisam estar na formação dos seus indivíduos desde cedo. Duas coisas constituem a base da convivência social: decidir junto sobre o que é de interesse comum, vamos chamar isso de Política. E, trocar o que ofertamos com o que os outros ofertam para podermos viver, vamos chamar isso de Economia.

A antropologia já estabeleceu o consenso científico de que sem viver em grupo os seres humanos nem sobrevivem, nem sequer reconhecem a si mesmos – apenas nos realizamos na relação com os outros e o ambiente. Portanto, Política e Economia constituem a base de nossa Sociabilidade, o modo ou regras, valores, princípios e maneiras que definem os termos que nos fazem estar associados, sermos sócios uns dos outros – partilhamos, querendo ou não, os mesmos espaços, serviços e consequências das escolhas coletivas que fazemos.

São diversos os modos que podemos estar em sociedade como sócios. Já experimentamos o Escravismo, o Feudalismo, vivemos o Capitalismo e é possível assistir vários movimentos que propõem outros modos de nos associarmos que vai do projeto Talibã, até ao que chamam de Socialismo. Um debate, que hoje, pouco ultrapassa a superficialidade dos rótulos.

Optamos então, por buscar a reflexão a partir da leitura científica da realidade, para propor coisas práticas. Começamos por constatar que nossa Sociedade, e seus problemas, vêm de uma compreensão muito limitada, sobre Política e Economia como conhecimento científico, o que leva ao enfraquecimento da racionalidade e ao fortalecimento das percepções e atitudes emocionais, sem conferir dados e informações. Se a racionalidade científica não resolve tudo, sem ela tampouco.

Daí que a primeira proposta prática que apresentamos é a criação de programas de educação política e econômica desde o fundamental, mas que não fique só nas escolas, que inclua a família, e permita a livre participação de todas as instituições da Sociedade como igrejas, partidos, clubes, universidades etc. A partir de um currículo plural que garanta espaço proporcional à todos os projetos de Sociedade e as soluções práticas que propõem aos problemas da Sociedade. Com metodologias adequadas a cada faixa etária. Aliás, a psicologia também deveria estar neste programa…

Sem enfrentar esta questão, refletindo quem ganha com o desconhecimento científico sobre Política e Economia, jamais conseguiremos construir consensos que nos levem a resolver o enigma de sermos a região mais rica do planeta, com uma miséria endêmica, que muitos até já acham normal. O problema do desenvolvimento do Brasil e, particularmente da Amazônia, precisa deste tipo de esforço.

Sem isso jamais perceberemos que sermos subdesenvolvidos não se justifica pelas riquezas e ativos que dispomos em nossa realidade, mas tão somente pelo condicionamento mental dos tomadores de decisão Política, Econômica e daí, a cultura e os valores subjetivos que hegemonizam a população que fazemos parte.

Para dar um exemplo prático é só observar o Consumo. Toda a Economia, enquanto Sistema de Trocas, possui operacionalmente um único alicerce, o Consumo. Também chamado de Procura ou Demanda, é o Consumo das pessoas que orienta toda a produção, gera toda a riqueza e valor, através do trabalho humano, e assim, também orienta a ordem Política e Social em que vivemos.

A Economia está orientada a atender o que as pessoas procuram. Por isso que em Marketing a gente aprende que ninguém vende, as pessoas compram. Quem tiver o que a pessoa procura, se esta decidir comprar, aí ocorre a venda. Por isso tem-se que conhecer a pessoa que consome, compreendê-la, saber como compra, onde, o que sua renda permite etc etc e tudo mais que vemos nas pesquisas de mercado. Quanto mais perto do consumidor, mais conhecimento e mais poder.

E o que as pessoas procuram? Soluções para seus problemas, sejam necessidades e/ou desejos. Indo direto ao ponto, só se ganha algo, inclusive dinheiro, resolvendo o problema do outro.

Porém, acontece que é possível influenciar a percepção das pessoas sobre o que é “problema”, para elas mesmas e, também, como resolvê-lo, já que a solução se apresenta como produto à venda. Parte dos agentes econômicos ofertantes já chegou à sofisticação de desenvolver estratégias para fazer a pessoa procurar aquilo que eles tem para vender. Estratégias que hoje atingem o nível do neuromarketing e das mensagens subliminares para que o consumidor sinta como problema, até o problema que não tem, mas que só eles tem o produto que resolve, e aí você tem que comprar.

Mas isso não é novo. Desde o primeiro espelhinho que os europeus ofereceram aos povos que aqui habitavam, em 1.500, começaram a nos educar a dar valor ao que vem “de fora”, mesmo sem precisar. E como se dá valor ao que vem de fora? Dando o que vem “de dentro”. Assim, por um “espelhinho” o Pau Brasil foi levado à sua extinção, assim que muito ouro, prata, pedras preciosas e drogas do sertão saíram daqui para construir palácios e obras que hoje, como turistas, alguns poucos pagamos caro para conhecer, além mar. Assim que hoje, muito minério, petróleo e outras commodities se vão em um processo de troca desproporcional, pelo baixo valor agregado. Assim que o trabalho da Nação gera um dos maiores PIB(Produto Interno Bruto) do mundo, sem ter a qualidade de vida proporcional. Traduzindo, eles precisam do que nós temos, e nós aceitamos a condição deles dizerem o preço que vão pagar.

Ora, sem educação para o desenvolvimento humano sustentável, a maioria de nós não se percebe como nação e se divide, vibrando com a possibilidade de uma parte se dar bem sem que a outra também seja beneficiada. Não conseguem entender o que é estar no mesmo barco. Resultado, somos a única nação no mundo, dona de uma das maiores reservas de petróleo do planeta, que as grandes transnacionais passaram a controlar, sem precisar do apoio bélico dos EUA, apenas manipulando parlamentares para aprovarem uma nova legislação. Sendo autossuficientes em petróleo nos firmamos dependentes do refino da gasolina, por isso a importamos e ficamos ao sabor do dólar também a mercê das trocas desiguais que drenam a riqueza aqui gerada.

O incrível é que até hoje, esta drenagem direta da riqueza nacional, que se fortaleceu nos anos 90, continua com a não tributação do lucro e a consolidação do consumo como principal fonte de arrecadação de tributos para pagar a dívida pública, que leva metade de tudo o que arrecadamos.

Ao mesmo tempo em que, com nosso consumo, geramos lucros e dividendos não tributados, arcamos com os tributos ao ato de consumir, embutidos nos preços das mercadorias, muito acima do arrecadado com a tributação sobre a renda. Assim nos tornamos uma das nações que mais exporta dinheiro para o resto do mundo, somando o que pagamos em dívida pública para agentes externos, o que geramos de lucros que são remetidos para as matrizes das empresas no exterior, o que gastamos com turismo internacional etc. O que sobra para o consumo interno e os investimentos públicos nacionais é menos do que produzimos, merecemos e precisamos.

Ora, se o consumo é a base da economia, para desenvolver é preciso estimulá-lo. Assim foi feito nos EUA para enfrentar a Grande Crise de 1929. Assim foi feito em diversas outras crises nos países do primeiro mundo inclusive na Crise do Subprime americano, em 2008. Mas desde 2016, já se vão 5 anos, temos uma política que corrige o salário abaixo da inflação, perdendo poder de compra. A Reforma Trabalhistas reduziu benefícios e direitos que também estimulavam consumo. Da mesma forma a Reforma Previdenciária.

A recessão foi provocada como estratégia de novo patamar de acumulação de riquezas pelos setores da economia externa, o único que ganha com dólar alto(maior receita) e baixa remuneração dos trabalhadores(menores custos), estourando suas margens de lucro em plana pandemia e “crise”. O desemprego de quase 15 milhões de brasileiros, o subemprego com grave precarização das condições de trabalho, rebaixam ainda mais o consumo das famílias – 40 milhões não possuem sequer segurança alimentar. O incrível é que mesmo os setores varejistas, que dependem do mercado interno, não se manifestam pelo fortalecimento do consumo. Indicando que o desconhecimento científico da Política e da Economia não é um problema apenas aos de baixa renda.

Agora, imaginemos se assim como organizamos os produtores, passássemos a estimular e organizar os consumidores, nas escolas, igrejas, empresas, bairros etc. Organizações sociais apoiadas por estudos e informações sobre a dinâmica da oferta em vários setores fundamentais. Cada indivíduo fazendo parte de uma organização de consumidores com informações estratégicas que antecipassem as metas de produção e colheita para que os consumidores se organizassem.

Imaginem consumidores organizados e conscientes da força visceral que possuem, escolhendo a partir de opções de custo benefício explícito. Consumidores conscientes de que são eles, no seu cotidiano, que financiam as grandes corporações, tudo que vemos e todas as manifestações de riqueza. Que são eles que decidem se vão consumir mais da economia local para aumentar a geração de emprego que pode até beneficiá-los diretamente.

Imagine consumidores organizados e conscientes de que seu consumo cotidiano pode financiar, ou não, aqueles que produzem desmatando a Amazônia, utilizando trabalho escravo, utilizando substâncias tóxicas, se associando ao crime organizado, pagando menos para as mulheres na mesma função que os homens, empresas que financiam fake news e corrupção.

Opa, a boa notícia é que se organizar como consumidor, não depende de mais ninguém, só da gente. Nos EUA, a segunda maior rede de varejo, depois do Wal Mart é a Publix, uma cooperativa de consumo.

A Democracia precisa tanto do avanço da cidadania política, com participação direta e controle social sobre o Estado, quanto com o avanço da cidadania econômica, com o consumo organizado e consciente.

Dúvidas, críticas e sugestões para: arroyojc@hotmail.com