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Artigo em colaboração com Manoel de Christo, professor da Universidade da Amazônia – UNAMA
Talvez o leitor estranhe o título e o tema deste artigo. Qual a relação existente entre psicologia e economia? Duas ciências tão díspares e aparentemente antagônicas poderiam se relacionar? Qual a contribuição que ambas, articuladas entre si podem oferecer a um momento tão dramático da existência humana seja no âmbito sanitário, seja na conexão dos indivíduos com a Sociedade ou destes com a produção de renda e consumo? Explicar e fazer entender esse diálogo num artigo é tarefa hercúlea, mas que resolvemos juntos correr o risco. E se você leitor, chegou até aqui. Convidamos você a continuar e refletir conosco.
Quem primeiro percebeu esta conexão entre Economia e psicologia foi o “marketing”. Observe, a maioria dos produtos não são apresentados pelas suas propriedades, mas pela possível identidade. Por exemplo, o carro. Não se vende carro falando da potência do motor, seu tempo de vida útil, nem quantos quilômetros faz com cada litro de gasolina, apesar de serem informações importantíssimas. O que se vê é a vinculação com sonhos e estilos de vida, pessoas lindas, cidade sem engarrafamento ou multa ou, ambiente off road, muita lama e sensação de liberdade. Porque descobriram que as dimensões que mais pesam na decisão de compra são as psicológicas, a afetividade e o emocional. O racional, é como um músculo, se não for alimentado, capacitado e treinado, atrofia. Quem ganha com isso, né?
Costumeiramente, tende-se a pensar a psicologia, inclusive pela etimologia da palavra, como o estudo (logos) da alma humana (psiquê), com todas as suas vicissitudes e possibilidades. Caberia, pois, a esta área do conhecimento humano entender o que se passa no mais recôndito das pessoas, aquele lugar escondido, que precisa ser perscrutado e que talvez nunca seja alcançado em sua totalidade. Pode-se pensar ainda que ela se dirige exclusivamente à compreensão dos indivíduos e o que se passa no mundo interno deles. Mas as pesquisas de opinião de mercado, mesmo sem se aprofundar, conseguem mapear tendências de comportamento de consumo e criar estratégias de direcionamento do comportamento econômico das pessoas. O marketing que começou centrado no produto, passou pelo cliente, pelo relacionamento e hoje chegam ao Neuromarketing.
Por sua vez, a economia situa-se como a ciência, e atividade humana, que vai estudar, e organizar, a maneira como a Sociedade se organiza na produção e distribuição dos bens e serviços necessários à sobrevivência humana e ao consumo. Etimologicamente, consiste na ciência que estuda as leis(nomos) e a ordem que regem a casa(oikos). Podemos então pensar que ela está voltada exclusivamente à compreensão do mundo material e externo à pessoa humana, visando a vida em Sociedade. Mas a ordem estabelecida também é produto das afetividades sociais, aquilo que nos conforta emocionalmente nos dando sensação de segurança.
Nesta linha, se o ato econômico mercadológico, fundamental, é o consumo, isto implica em escolhas humanas. Escolher é um ato influenciado por toda a afetividade e carga emocional acumulada, que se misturam com a racionalidade, vencendo-a na maioria das vezes, conforme as pesquisas de marketing. Se a escolha individual caracteriza um fenômeno social, determina sobre o conjunto da economia e o modelo de desenvolvimento.
Como então estabelecer conexões entre o mundo interno, psíquico e o mundo externo, social e econômico? É justamente na aparente separação e distanciamento entre ambas as ciências e atividades, que reside seu principal elemento de ligação. Explicando melhor: nenhum sofrimento humano, nenhum desejo que pulsa na mente humana está dissociado da dimensão concreta da sua existência física e material; é exatamente por ser um sujeito concreto e enraizado historicamente que surgem as necessidades e desejos em cada um de nós, os quais somente se realizam no contato com o outro, na convivência grupal, em Sociedade.
Veja, toda produção de bens e serviços da Sociedade visa atender as necessidades e desejos, o que a economia sintetiza como “demanda”, a partir do cotidiano das outras pessoas. Ao mesmo tempo, nossas necessidades e desejos, que orientam nossas escolhas de consumo, depende do que outros produzem, já que não produzimos tudo o que demandamos. Ou seja, produção e demanda são complementares. A economia é a atividade humana que tem por objetivo preencher as lacunas existentes no mundo interno das pessoas, e esta satisfação só é possível pela vida em Sociedade, pelas relações estabelecidas entre nós no cotidiano da existência.
É muito importante perceber que nesta complementariedade entre os seres humanos, em Sociedade, que implica em trocas e partilhas que atendam as demandas humanas das pessoas, não se limitam a coisas, a mercadorias, mas a tudo que implica em gerar conforto social, físico, material, afetivo e emocional, como amor, respeito, paz etc. Há escolas econômicas que abordam estas demandas como um todo, como é o caso da Economia Solidária, mas na maioria das vezes, a Economia é entendida como relativa às mercadorias apenas, ao que se troca por dinheiro. Nesta abordagem, as dimensões psicológicas da economia ficam mais difíceis de serem identificadas, mas tenha certeza, estão lá.
Cada um de nós, autores deste artigo traçou seus caminhos em suas respectivas áreas de atuação profissional e na universidade abrimos vielas e desfiladeiros comuns, usando nossos instrumentos e discutindo possibilidades de interseção. Essa confluência se deu por meio da economia solidária e o compromisso em contribuir para que as pessoas percebam os processos internos que determinam sobre suas decisões como um todo, admitindo a importância de desenvolver a racionalidade para equilibrar as dimensões afetivas e emocionais que nos fazem comprar coisas e ideias, mercadorias e políticas.