Protagonismo Amazônida, entre o Petróleo e a nossa sobrevivência

Foto: Andre Ribeiro/Agência Petrobras

Por João Claudio Tupinambá Arroyo

Mais uma vez, a cunha colonialista crava-se entre nossas supostas certezas e verdades. É preciso dividir para dominar, já alertava um certo Nicolo Machiavelli, sec.XV.

Como o Protagonismo Amazônida poderá avançar como exercício de soberania regional? Em um país continente como o nosso, há interesses muito diversos. Ainda mais em relação a uma região que só foi anexada administrativamente ao Brasil, no processo pós independência, a partir de 1823. Antes a região, então Provincia do Grão Pará e Rio Negro, era administrada diretamente de Portugal, pelo Marquês de Pombal e na sequência pelos ingleses, mantendo uma relação diplomática com o Brasil. A diferença de tratamento, pelo então Estado Imperial brasileiro, entre a Borracha daqui e o Café do sudeste, é um testemunho do conflito cultural e econômico vivido.

Conflito vivido, até hoje? Como entender uma Lei Kandir? A energia elétrica produzida aqui ser o único produto em que o ICMS é cobrado na distribuição e não na Produção? Como entender o fato de uma Zona Franca, em Manaus, gerar riqueza em São Paulo? E por aí vai…

Com a possibilidade de avançar as pesquisas para extração de Petróleo na costa atlântica do Norte brasileiro, mais uma vez nos deparamos com os interesses “de fora” influenciando fortemente o perfil de investimentos na região. Mais uma vez, os “de fora”, nem consideram, nem cogitam escutar e muito menos negociar, com formulações de soluções elaboradas por legítimos representantes amazônidas. Nem os que mal conseguem dormir, ansioso por ver uma “bacia de Campos” do Marajó para o Amapá, nem os que unilateralmente bloqueiam os estudos, se deram ao trabalho de ampliar suas consultas para a Sociedade que será diretamente afetada.

A questão já chega armada e pronta para apenas duas possibilidades: o Petróleo ou os Corais. Uma armadilha que precisamos juntos, refutar. Ora, a questão fundamental, finalística, não é nem o petróleo nem os corais. É como vamos mudar a história, e começar a pautar a qualidade de vida local onde os investimentos são realizados, para garantir melhores condições de vida para todo o planeta. Petróleo e corais são meios. O ponto central é elaborar e articular para que qualquer investimento que seja feito, quer em petróleo, quer em corais, como vamos construir condições para que todos que vivem aqui melhorem sua qualidade de vida, a partir da base da Sociedade.

Se cairmos na armadilha, o acirramento político entre as partes, ambas Amazônidas, marca o comportamento que repetimos nos últimos 200 anos, o resultado também será o mesmo. Nos dividiremos, e os dois, dominados pelos “de fora”, ficarão… uns com migalhas e outros com a honra lavada, mas na exclusão. Ambos assim cooperando para não resolver o problema da baixíssima qualidade de vida material, educacional e tecnológica da grande maioria de nossos irmãos e irmãs amazônidas que, sem dignidade, tiram dos dois, e de todos os amazônidas, conforto social e segurança. Precisamos inovar, como dizem eles, ou resgatar nossa natureza original, como prefiro.

Humildemente sugiro refletir… Aos que pensam com as referências de 1.500 pra cá… Como as nações hoje desenvolvidas ficaram desenvolvidas, todas elas, EUA, Inglaterra, Japão, Alemanha, etc? Valorizando seus recursos e conhecimentos(patentes) próprias e nenhuma concessão em abrir mão de suas próprias Soberanias. Uma história de guerras, sem dúvidas. Mas quando bateram com a cabeça no limite da existência, com a bomba atômica na Segunda Guerra Mundial, correram para lançar a Declaração Universal dos Direitos Humanos e criar referências para negociação. O que não eliminou a sanha de derrotar o outro, mas abriu uma alternativa inovadora de sociabilidade que vem caminhando à passos de cágado, conduzido pela força econômica de quem exerce sua soberania, mas capaz de ser percebida na importante revolução dos costumes em curso, com o crescimento do respeito às questões raciais, de gênero e de orientação de sexualidade, o que nos coloca em um patamar superior de humanidade.

Aos que, como eu, preferem referências dos 12 mil anos que estamos nesta parte do planeta, reflito, como a imensa pluralidade de nações que partilhavam este território conviviam? Ocorriam conflitos e até guerras, normal. Mas, principalmente, convivência negociada. Logo, tanto em um campo de pensamento, quanto outro, a inovação que precisamos desenvolver com paciência pedagógica e firmeza protagonista, é a competência de negociação amazônida. O contrário é a expectativa da derrota do outro – o que exige a noção de correlação de forças.

Na cabeça de uns, ganharam porque ficaram com mais dinheiro(as migalhas que sobraram dos “de fora”), para outros, ganharam porque não perderam a dignidade de suas convicções. Mas para a grande maioria dos amazônidas, restou ignorância e misérias… Logo, se quisermos nos reinventar enquanto povo protagonista, a novidade ou aprendizado que precisamos, é a negociação. Ou seja, não se trata de convencer, mas de conviver e viver cada vez melhor.

Se estamos no mesmo território, precisamos que nossos próprios recursos gerem riquezas majoritariamente aqui e não em outras regiões e países, para outras nações, a menos que ganhemos juntos. Ora, se eles estão vindo aqui, tirar nossos recursos, são eles que mais precisam de nós do que nós precisamos deles. Se tomarmos a decisão de exercer protagonismo, somos nós que temos que definir o quanto, como, em que condições e por quanto tempo serão trabalhados nossos recursos naturais, humanos e tecnológicos próprios, sempre juntos, sem o que não haverá desenvolvimento nem sustentável nem solidário.

Há uma crença implantada, igual como ocorre na Alienação Parental, de que precisamos de investimentos externos. Não é verdade. Precisamos de negociações soberanas. Assim como, a crença de que não temos aqui conhecimento suficiente para sermos Soberanos, também é falso, a grande estratégia da dominação é esta, porque a realidade está na cabeça das pessoas, das nações e seus dirigentes.

Mas ao mesmo tempo, precisamos desenvolver a inteligência de estabelecer consensos entre os Amazônidas e, daí, negociar com os “de fora”. Por exemplo, valendo:

1) Proponho que pactuemos que todos os investimentos públicos e privados na região, incorporem metas operacionais de melhoria da qualidade de vida da população amazônida, a partir das comunidades dos nossos rios e florestas assim como das periferias de nossas cidades, topam? Vejam, todas as nações desenvolvidas, todas, não abrem mão do fortalecimento de sua economia interna(educação e trabalho de qualidade). Quanto maior o poder de compra do consumidor final, maior o faturamento do comércio, serviços, da agricultura e da indústria. Até os bancos podem ganhar, mais se permitirem a queda dos juros.

2) Proponho que se estabeleça que os ODS, traduzidos às condições socioambientais amazônidas, sejam a referência de avaliação dos investimentos públicos e privados, pelo legislativo, TCM, TCE, TCU. Bem como, sejam também os ODS, territorializados amazônidamente, referências para a aprovação de leis e investimentos, respectivamente, pelos legislativos municipais, estaduais e federais, assim como pelo Banpará, Basa, BNDES e bancos privados, com amplo conhecimento público e verificação dos resultados.

Entre nós, não basta afirmar convicções e princípios, temos que construir espaços plurais para a articulação e implementação de soluções práticas, as possíveis, de acordo com as possibilidades práticas que aqui surgirem. Além das políticas públicas, muitas iniciativas particulares, privadas, podem, até pelo seu poder demonstrativo, apresentar soluções mais adequadas, sendo que o grande desafio é formar valor, formar uma cultura que seja nossa, realmente nossa.

Os modelos de sucesso que orientam os comportamentos, principalmente de nossos jovens, tem abarrotado os consultórios psiquiátricos e de psicólogos por levarem a grande maioria à frustrações traumatizantes. Temos uma sociedade adoecida. Sem Solidariedade, não há solução.

Esta é a motivação que fez surgir o Fórum Permanente pelo Protagonismo Amazônida, plural, diverso, cujo ponto de unidade é a valorização dos recursos amazônidas, tanto os naturais quanto os humanos e tecnológicos para que estes recursos passem a gerar, na proporção correta, riqueza aqui, e não mais fora. Tendo como principal resultado a melhoria da qualidade de vida a partir dos que menos tem oportunidade de educação e vida econômica, social e ambiental digna.

O berço do Fórum foi o ambiente acadêmico, entre cientistas e professores, quando estudando os Fundos “Ambientais” vimos que os critérios para acessá-los estabelece processos de enquadramento em modelos de desenvolvimento econômico que não geram riquezas aqui. Por exemplo, o maior doador do Fundo Amazônia é a Noruega, que na televisão, na frente da ministra, exigiu resultados. Mas o que fazer então com a transnacional norueguesa Hydro, que em Barcarena tem sua maior operação mundial e joga escondido ácido no igarapé dos nossos ribeirinhos, que assim adoecem, reduzindo a produção do pescado o que aumenta o preço dos peixes para nós, nas feiras locais. Daí que logo se tornou evidente a necessidade visceral de que o fórum, além de se ampliar nos ambientes científicos, se colocasse para outros segmentos, com especial importância da gestão pública e empresarial, bem como de comunicadores e artistas.

Hoje o Fórum Permanente pelo Protagonismo Amazônida é uma iniciativa aberta, absolutamente inédita, de pessoas que são cientistas, professores de muitas instituições de pesquisa da região como UFPA, UFAM, UFRR, UFMT, UNIFAP, UNAMA(que está em todas as capitais da região), MPEG, EMBRAPA, IFPA, NAEA etc. A estes se juntaram artistas e comunicadores como Dira Paes, Cristina Serra, Nilson Chaves, Salomão Habib, Sandra Duailib, Márcio Moreira, Franssinete Florenzano, Guarany Jr, entre outros, reitores como Betânia Fidalgo(Unama) e Claudio Alex(IFPA), dirigente empresarial como Beth Grunvald(ACP), secretários do estado e do municipio, assessores do BNDES, de outros órgãos federais, deputada estadual Lívia Duarte, senador Randolfe Rodrigues(AP), governador do Amapá, Clécio e o prefeito de Belém Edmilson Rodrigues.

A conquista da realização da COP 30, por iniciativa do governador do Pará, Helder Barbalho, que contou com o empenho do presidente Lula, é um processo que não podemos perder para reescrever nossa história. Temos agora grandes oportunidades, como a participação no PPA, com a redemocratização conquistada na eleição presidencial e mobilização da Sociedade, a Cúpula dos presidentes dos países amazônicos em agosto em Belém, a articulação dos Povos da Floresta, do FOSPA, entre outros. Momentos que podem consolidar esse novo comportamento de negociar entre nós, amazônidas, construir os consensos possíveis para juntos exercemos soberanamente o direito de viver em paz, com dignidade. Vemtimbora, você faz falta!