Precisamos de um Divã para a Economia ou para a Sociedade? – Por João Arroyo

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Por João Claudio Tupinambá Arroyo

“Quem não estiver confuso, não entendeu nada”. Esta síntese, tão representativa do momento em que vivemos, é atribuída à diversos personagens, mas aqui o importante não é a autoria e sim o significado. Porque, de fato, estamos vivendo um turbilhão de paradigmas, referências e valores para pesar e avaliar as coisas. O que é bom e certo para uns, é o oposto para outros, ou até, para os mesmos, no momento seguinte. Não entendeu? É confuso mesmo… Nos divide, nos enfraquece, nos empobrece, inclusive espiritualmente, ficamos loucos, deprimidos, em pânico, sem autoestima, esquizofrênicos, obsessivos, acumuladores. O aumento das consultas de saúde mental aumentaram até 600% segundo estimativas do setor.

As incertezas, perdas e aflições com a pandemia, sem dúvidas tem uma forte participação nesta tendência, contudo não é menos importante a participação do cenário político e econômico para o agravamento deste quadro e o acúmulo estressante de conflitos produzidos diariamente através de declarações impactantes e decisões político-econômicas que agravam o agudo rebaixamento do consumo das famílias, que o IPEA constatou recentemente em pesquisa nacional, gerando desemprego e oportunidades de trabalho, por um lado, e ainda maior concentração de renda riqueza e poder, de outro. Ou seja, nem todos perdem com a crise, há setores poderosos que dizem ser importante recuperar a dinâmica do mercado, porém desde que não diminua os ganhos que só neste cenário são possíveis. A conta não fecha e a depressão econômica, social e psicológica se agrava e se prolonga.

A questão é que, como existir é integral, ao mesmo tempo que vemos os recentes números absurdos da desigualdade social e econômica, no Brasil e no mundo, e não nos comovemos. A maioria de nós também não se comove com as crianças de 5 anos revirando lixo ou no colo de pedintes nas esquinas, quando os vêem nas calçadas a nossa frente. Ou seja, nossa afetividade está bloqueada, típico de psicopatas, subordinada a uma racionalidade cruel que justifica a situação a partir de diversas elaborações, como “natural”. E não aprendemos que sem Solidariedade não há solução.

Não há como contribuir para uma solução satisfatória sem enfrentar este desafio de compreensão e sem estabelecer referências objetivas para avaliar as propostas de solução que surgem. Por exemplo, entendo que diante de cada proposta de solução devemos buscar a demonstração efetiva da resposta para as seguintes questões objetivas: Esta é a melhor solução para quem? Para quantos? Por quanto tempo? A que custo? E, a partir daí avaliar os parâmetros subjetivos.

Nada é mais perigoso que o “normal” e a “verdade”. O Normal é a explicação dos que não compreendem a realidade da situação que nos deixa inertes, que serve de justificativa para a omissão e esta “neutralidade” fortalece quem está ganhando com a crise. A Verdade, que também pode se combinar com o Normal, é perigosa porque quase sempre dá suporte para soluções excludentes e autoritárias. Ora, se a Verdade existe, é única e é o que eu creio ou tenho convicção, se o outro não partilha da mesma referência, ele está errado, está com a mentira e precisa ser convertido, dominado ou eliminado. Neste jogo, disputa ou até guerra, para alguns, é bom lembrar que o agente social, também é agente econômico, político e cultural, sua posição de poder é determinante sobre como os conflitos serão resolvidos. E este processo pode ser democrático ou não, justo ou não, humanizante ou desumanizante. Nada de mais, apenas a normalização da Lei do mais forte das Sociedades sem direitos e democracia.

Nosso maior dramaturgo e jornalista, Nelson Rodrigues, em sua coluna A vida como ela é, dizia que “tarado é toda pessoa normal pega em flagrante”, insinuando que enquanto não ocorrer o flagrante, continua normal para a Sociedade e seu moralismo de redes sociais – lembram do caso do vereador Jairinho? Hanna Arendt, filósofa política alemã, ganhou notoriedade, após longo estudo dos crimes de guerra dos nazistas, ao explicar que havia sido criado a “banalidade do mal” pelos nazistas na Sociedade alemã, onde os funcionários do regime explicavam suas ações cruéis e desumanas dizendo “estávamos cumprindo ordens”. O custo de não pensar, não se responsabilizar participativamente e reduzir sua existência à mera sobrevivência pode ter consequências dramáticas, como a História, nosso espelho, registra.

A realidade grita. Segundo recente relatório do IBGE(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), órgão estatal sob gestão do governo federal, de 2019 para 2020, perdemos 4% da população com rendimentos de seu próprio trabalho, ou seja, em apenas um ano mais 8 milhões de pais e mães de famílias sem produzir, rebatendo em pelo menos mais 20 milhões de crianças e idosos desassistidos. E a maioria de nós não entende como isso atinge a todos, não entende que isso afeta a Sociedade, como um todo, em sua segurança, saúde, educação, qualidade de serviços, produtividade, qualidade de vida, conforto social e gasto público. Gastos cobertos pelos impostos, cuja arrecadação é proveniente, em 85%, dos brasileiros que possuem até 10 mil de renda mensal, aproximadamente. O mesmo IBGE apurou que, enquanto isso, os 1% mais ricos aumentaram sua participação na renda nacional, passando a concentrar 35 vezes a renda média dos 50% mais pobres, que é 453 reais/mês. Traduzindo, se considerarmos que somos 200 milhões de brasileiros, 1% significa 2 milhões de pessoas e 50%, 100 milhões de pessoas. Isto deveria ser o normal?

Se a única causa é a pandemia, porque estes 2 milhões passaram a ganhar mais? E os 100 milhões perderam renda porque não se esforçaram? Não trabalharam o suficiente? Qual o futuro social daquela criança que hoje com 5 anos mora na rua? Isto não vai nos impactar? Em 2008 o mundo viveu uma Grande Crise iniciada nas irregularidades do subprime americano(refinanciamento), equivalente ou maior que a crise de 1929. Alguns países como a Grécia e Portugal quebraram, tantos outros amargaram perdas, mas o Brasil não perdeu o ritmo acelerado que tinha naquele momento, veja o gráfico em “PIB Brasil” no google. Ou seja, o tamanho do impacto das crises dependem como o governo orienta as políticas de Estado.

Em 29, a saída da Grande Crise, que também tinha seu epicentro nos EUA, foi a geração de postos de trabalho a partir de investimento público, mesmo com emissão de moeda sem lastro. Gerando trabalho, gerou renda, consumo, tributos, estimulou a produção e os investimentos privados que assim geraram mais empregos e a economia foi retornando ao giro necessário. Aqui, além da negação da Covid, o governo repassou mais de 1 trilhão para os bancos que entesouraram o que deveriam ofertar como empréstimo, a juros baixos, e continuam a bater recordes de lucro em plena pandemia. Normal?

O mercado de drogas ilícitas movimenta cerca de 900 bilhões de reais ao ano, no Brasil. Equivalente a 35% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Esta cifra astronômica dá uma medida do poder de uma economia que se organiza também na dimensão política, jurídica, social e cultural da Sociedade. O crime organizado, possui tentáculos diversos: tráfico de armas, órgãos e pessoas, contrabando, prostituição, lavagem de dinheiro em Offshore, corrupção política e empresarial e outras atividades associadas, inclusive em atividades legais e lícitas onde fazem a lavagem local de seu faturamento. No plano global, avaliam que em seu conjunto, o crime organizado movimenta cerca de 2 trilhões de dólares/ano, ou 3,6% de toda a riqueza produzida no planeta, segundo dados divulgados pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc). Cerca de 5 milhões de brasileiros consumiram cocaína pelo menos uma vez na vida e 1,8 milhão fez uso de crack, segundo o Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (II Lenad), realizado em 2012, perfazendo um dos maiores mercados do país. O sucesso econômico do narcotráfico, no Brasil e em escala global, prova que faz parte do varejo do dia a dia, que muita gente que a gente conhece, consome e/ou está nesta economia. Gente que frequenta todos os espaços sociais com uma renda compatível, já que a droga não é barato. E a maioria acredita que esta mega indústria é organizada e dirigida da favela, que é coisa de pobre. Ingenuidade?

A ciência tem dado pistas como podemos enfrentar o desafio de ressignificar a existência humana, a partir dos valores da modernidade como a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade, como propugnava a Revolução Francesa, a mais importante revolução burguesa contra o Estado absolutista do séc. XVIII. De fato, o ponto de partida são os valores, mas os passos seguintes exigem a disposição de sermos protagonistas coletivos, o que só é possível alcançar a partir de relações democráticas. Contudo, para que haja democracia real, como dizia o filósofo iluminista suíço Rousseau, há 300 anos, “é preciso que ninguém seja tão rico que possa comprar outra pessoa, e ninguém seja tão pobre que tenha que se vender”.

O prêmio Nobel em economia de 2002, o psicólogo Daniel Kahneman, com suas pesquisas de behaviorismo econômico – mudou a relação entre clientes, consultores econômicos e gestores financeiros. Colocou foco revelador sobre fatos desprezados – como a influência psicológica sobre processos decisórios financeiros. Delineou de modo mais claro as premissas que devem nortear os investidores em resoluções monetárias. Mostrou que nós, humanos, temos tendências prejudiciais à nossa capacidade de escolha econômica, principalmente quando colocamos lucro, prejuízo e prosperidade num mesmo saco. Em 2017, o Nobel destacou Robert Thaler, expoente da Economia Comportamental, selando como indispensável o diálogo entre Economia e Psicologia.

A busca, às vezes desesperada, de mostrar sucesso e felicidade nas redes sociais, tem sido apontada pelos especialistas do comportamento humano, como a confissão do mal estar que vivemos coletivamente em Sociedade. Primeiro porque nossa individualidade está mergulhada na coletividade e é parte e resultado dela(veja Teoria de Campo de Kurt Lewin), segundo que a alienação a dor do outro exige algum grau de psicopatia. Terceiro que a integralidade da vida exige equilíbrio entre o social, o econômico, o ambiental como preconiza a ideia de Sustentabilidade, não é possível tratar uma coisa separada da outra. O problema daquela criança, no colo de uma mãe miserável, é ao mesmo tempo um problema social, econômico, ambiental, cultural e a solução passa por uma abordagem integrada destas dimensões. E, quarto, precisamos de terapia individual/social, que ressignifique a existência humana e nos dê um sentido vivo que nos torne capaz de acolher a todos e todas para também sermos acolhidos.

Desde 1972, o Butão, país do leste asiático, vive sua economia baseado não no PIB(Produto Interno Bruto), que só mede produção, mas no FIB(Felicidade Interna Bruta). Estabelecendo princípios, parâmetros e indicadores de felicidade social ao que a economia deve estar integrada. Pesquise, reflita, seu protagonismo é fundamental para todos nós.

Dúvidas, críticas e sugestões para: arroyojc@hotmail.com