Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Por João Claudio Tupinambá Arroyo
Voltamos a escutar nas mídias e redes que o PIB voltou a crescer, 1,2%, e que, em função disso, as perspectivas são melhores. Perspectivas reforçadas por um bom saldo na balança comercial. Mais uma vez nos vemos diante de certezas e explicações simplórias para um problema tão complexo quanto o desenvolvimento de uma nação emergente e a relação, não proporcional, entre crescimento econômico e a melhoria da qualidade de vida das pessoas, tanto mais, em meio ao grave quadro epidêmico que nos castiga.
Não por acaso, o genial músico brasileiro Tom Jobin, ao ver que seus amigos estrangeiros não entendiam bem o que ele explicava do seu país, disse “O Brasil não é para principiantes”. E para demonstrar que o que ele diz procede, alerto que aqui “estrangeiro” não se refere apenas a não brasileiros, mas a todos, mesmo brasileiros, que olham para o Brasil com estranheza tal qual a estrangeirização de seu olhar em função da sua identidade cultural. A identidade cultural construída pela educação tradicional que temos, em que até hoje o índio é que aparece como “o outro” e aprendemos a adorar tudo o que não é nosso. E, para conseguir o que não temos, sem considerar o que já temos, nos submetemos e confiamos em quem vem “de fora”, porque afetivamente são quem gostaríamos de ser. E adoramos Miami, NY, Paris, Roma, Lisboa, contanto que não seja aqui. Ganha-se aqui e gasta-se lá. E o porquê, é o que Tom tentou explicar, quem não entende o Brasil, estranha o Brasil.
Para avançar um pouco nesta dimensão cultural do desenvolvimento econômico, é preciso dizer que a base do valor está na identidade. Os indivíduos consomem “espelhos”, o mito de Narciso explica isso, não por acaso quando a vendedora quer empurrar alguma coisa ela diz “é a tua cara”. Por isso a disputa central de mercado está na disputa pela formação da identidade da nação. O marketing vive disso. E para demonstrar que esta disputa acontece, vamos apenas lembrar a contenda entre Macunaíma e Zé Carioca.
Macunaíma surge da brilhante criação de Mário de Andrade em 1928, no processo de luta decolonial lançado na Semana de Arte Moderna de 1922, naquela época não se chamava assim, era o Movimento Antropofagista, que se dedicava a “comer” o que vem de fora, como faziam os Tupinambás, meus ancestrais, digerir e ressignificar com uma identidade nacionalista. Macunaíma nasce índio na floresta mas vai se transformando a cada situação diante dos poderosos para poder sobreviver e vencer. Fazia questão de se apresentar como o herói sem nenhum caráter, porque era livre e o significado de caráter era dado pelo poderoso, quase sempre a serviço do que vem de fora. Um movimento que se propagava lentamente em uma nação que tinha um elevado analfabetismo e nunca foi estimulada às artes. Mesmo assim, foi combatido.
Em 1940, os trabalhadores dos estúdios do empresário Walt Disney prepararam o Zé Carioca. Um malandro, preguiçoso mas esperto e simpático, reforçando esta identidade que já vinha na tradição projetada pelos colonizadores. Como se vivia as tensões da II Guerra Mundial, o Zé Carioca também ajudou na aproximação dos EUA, como um presente à cultura nacional, mais um Cavalo de Tróia. E assim, brasileiro discrimina brasileiro, com seu olhar estrangeiro, porque vê no Macunaíma o Zé Carioca. Em vez de se identificar com o Macunaíma e a construção de uma identidade nacional, pelos valores culturais que lhes incutiram através da educação, se colocam na posição “superior” dos de fora e preferem humilhar o Zé Carioca, a Geni de Chico Buarque. Educação não é só sala de aula, é música, cinema, convívio na família e com os amigos. Por exemplo, você já prestou atenção no que seu filho ou filha escuta e vê? Cultura é o que se gosta, economia também e gostamos do que somos, nossa identidade. Mas, enfim, “o Brasil não é para principiantes” porque pode não ser o que parece, como Macunaíma, que até branco virou. Muita coisa aqui parece, mas não é.
Gostam de mostrar o desempenho da economia a partir do PIB(Produto Interno Bruto), do Saldo da Balança Comercial, do valor do câmbio da moeda estrangeira e da movimentação nas Bolsas de valores. Aliás, como vão as suas aplicações na Bolsa? Quanto você tem faturado em dólar? As empresas em que vc é acionista estão exportando mais? Se Macunaíma estivesse vivo, já seria acionista. O desemprego, que é um indicador clássico, já não tem a mesma força midiática que os outros. Mas a questão mesmo é, por que não se avalia o desempenho econômico também pelo consumo? Algo como o PIC(Produto internamente consumido) já que a qualidade de vida é resultado direto do que se consome e não do que se produz, né mesmo? E aqui estamos nós no estrito marco liberal capitalista de mercado. Ora, é claro que há indicadores de consumo, renda das famílias etc, mas quase nunca são tomados como importantes para analisar a economia e assim se desvincula o Crescimento Econômico da Melhoria da qualidade de vida das pessoas.
Esta omissão tenta manipular a percepção econômica das pessoas, focá-las apenas na produção, e não na renda e consumo efetivo das famílias. E veja, quanto mais consumo interno, mais forte é o mercado, mais negócios e oportunidades surgem, mais emprego e trabalho é demandado e mais riqueza é gerada. Então por que não tratam disso? Mais uma vez, parece, mas não é. Mais uma vez se demonstra concretamente, mas com baixa visibilidade, que o projeto de desenvolvimento econômico hegemônico que se aplica no Brasil não favorece o Brasil. A miséria que reduz o consumo e a devastação que aniquila ativos econômicos importantes não são encarados como problemas econômicos, são “externalidades”, fatores secundários. E ainda argumentam como se o combate à miséria só aumentasse o gasto público e como se a devastação gerasse emprego digno. Ou seja, há quem ganhe assim como as coisas vão indo.
No Pará, importante centro mundial de produção de minérios com destaque para o Ferro e o Alumínio, o próprio setor diz aos jornais que seus objetivos operacionais são “o aumento da produtividade, com redução nos custos, controle sobre os processos produtivos e customização da produção”. Ok, nada contra, mas seria interessante entender melhor se a melhora da produtividade inclui o tratamento e recuperação das áreas de lavra e os rejeitos. Seria interessante saber exatamente que custos serão reduzidos e se o controle de “processos” inclui a relação com a Sociedade, principalmente a diretamente afetada, contribuindo para a formação de capital bruto local, capital social e sustentabilidade.
Esta não é uma pauta qualquer, a projeção de investimentos aumentou de 32 para 37 bilhões de dólares até 2024 e este impacto pode ser positivo ou não. A novidade neste quadro é a posição política inovadora do governo estadual que além de dialogar com firmeza para aumentar a arrecadação tributária no setor, passou a destinar o que já é arrecadado a um fundo gerenciado pela secretaria de ciência e tecnologia mostrando que encara estes como investimento e não como custeio, como recursos estratégicos que devem começar já a construir o conhecimento e os empreendimentos para a pós mineração, já que os recursos da mineração são não renováveis.
Portanto, é preciso que os sujeitos políticos e econômicos entendam que a matriz de valor está na cultura e que esta se dá a partir da educação, que é preciso um novo projeto de identidade e desenvolvimento econômico a partir de nossas próprias raízes, todas elas, desnaturalizando a pobreza e a devastação, entendendo a importância do investimento na diminuição significativa da desigualdade social e o fortalecimento da democracia, inclusive econômica. Multiplicando oportunidades, melhorando a qualidade de vida. Produzir armas, agrotóxicos também faz aumentar o PIB. Exportar alimentos, tendo milhões passando fome, faz aumentar o Saldo da Balança Comercial. Nem sempre o que parece, é. Por isso, quase sempre crescimento não significa melhoria da qualidade de vida da população.