O prejuízo econômico da discriminação às mulheres -Por João Arroyo

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Por João Claudio Tupinambá Arroyo

Você sabia que se o trabalho doméstico fosse incorporado a contabilidade econômica, como produção e como estratégia de desenvolvimento, o PIB(Produto Interno Bruto) multiplicaria por 3. Estima-se que mais de 90% do trabalho doméstico é realizado pelas mulheres, majoritariamente gratuito. Acontece que a irracionalidade da gestão econômica conservadora é flagrante em vários aspectos, a maior delas é a compreensão de que direitos são anti capitalistas.

Tomadores de decisão que acreditam serem racionais, sem compreender exatamente o que isso significa. O filósofo inglês Jeremy Bentham, pai do Utilitarismo, exemplifica bem a lógica do Racionalismo dizendo que: “A natureza pôs a humanidade sob governo de dois senhores soberanos, a dor e o prazer. Cabe apenas a eles indicarem o que deveríamos fazer. Ora, se a dor e o prazer são iguais para todos os seres humanos, quem, disposto de razão, preferiria a dor ao prazer?  Somente um louco, escolheria a dor e o sofrimento em detrimento do prazer e da satisfação”.

Aparentemente coerente, este pensamento fortemente influente, até hoje, é muito frágil diante de uma reflexão mais complexa. O próprio Benthan já admite a condição necessária, supostamente majoritária. O que é dor e prazer para uns, é igual para todos e todas? É igual e é para a grande maioria? Se não, o enunciado utilitarista perde o sentido.

Além disso, quem disse que dor e prazer são antagônicos. Pergunte a um masoquista. Ok, fui longe. Mas então por que tanta gente escolhe, e paga, para sofrer em uma academia, carregando pneu, peso, se pendurando em corda? Por que tem cada vez mais gente pagando caro para uma doloridíssima plástica no nariz ou na barriga? Ou passam anos estudando para exercer uma profissão que sonham? Logo, justo a dor pode ser o caminho para um prazer e uma realização importante para aquela pessoa. E, mais uma vez, as mulheres a nos ensinar que é a dor do parto que nos proporciona a maravilha da vida. Então, escolher a dor certa pode não ser ausência de racionalidade, mas a manifestação de uma inteligência mais sofisticada.

Ora, se o que é dor e prazer para uns não é o mesmo que para outros, e se dor não é antagônico de prazer, o enunciado em nome da Racionalidade, é vazio. Os consultórios que cuidam da psiquê estão cada vez mais lotados por que foi descoberto que quem mais pode fazer mal à pessoa é ela mesmo, logo é preciso entender o que motiva cada um a fazer as suas escolhas.

Dissemos tudo isso para fundamentar que mesmo os alto gestores e tomadores de decisão, públicos e privados, também decidem a partir de seus traumas, crenças limitantes e medos, inclusive aqueles instalados no inconsciente, herdados de outros tempos. Não por acaso, esta é a principal explicação para o comportamento conservador, o medo da mudança, o medo do novo, a fragilidade e insegurança que mobiliza reações até violentas. A violência é fruto de alguma fragilidade e da insegurança. Quem está seguro e confortável não agride. E isto pode dar o tom do cotidiano de relações sociais e individuais, por toda uma existência. Exato, os seres humanos se acostumam até com o que não presta, Freud explica.

Uma das reações mais irracionais é exatamente contra os direitos. Quando os EUA lideraram, através da primeira dama americana Eleanor Roosevelt, a elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, logo após a II Grande Guerra. Na condição de superpotência capitalista, os EUA, de um lado reconheciam que o que se tinha disponível em armamento no mundo, já àquela época, era suficiente para destruir o planeta e ninguém poder comemorar vitória alguma. E, de outro, entendendo que o consumo é o único sustentáculo vital do capitalismo, precisava elevar e espalhar um padrão de consumo capaz de reerguer a economia mundial. Os direitos, sob o capitalismo, mesmo os conquistados, representam elevação no padrão de consumo, reforçando cada um, um mercado específico. Por exemplo, se há direito à moradia, é preciso um fluxo econômico que organize o mercado de moradias. Se é direito a saúde básica, da mesma forma. E vimos agora na pandemia da covid como este direito fez do setor o que mais gerou lucro.

Não podemos esquecer que no processo da Revolução Industrial, século XIX, com a necessidade de escoar a produção em larga escala que as novas tecnologias passaram a gerar, a principal saída foi acabar de vez com a escravidão negra e torná-los consumidores. Por isso, esquadras inglesas bombardeavam navios negreiros na costa do Brasil, último país do mundo a acabar com a escravidão. E isso não quer dizer que o fim da escravidão não foi uma das conquistas sociais mais importantes que tivemos e em nada tira os méritos dos que lutaram e pagaram com a vida, por ela.

Da mesma forma, a qualificação da absorção pelo mercado de trabalho de mulheres também tem sido uma luta que, de um lado, interessa ao capitalismo porque aumenta a oferta de mão de obra reduzindo a média salarial. Mas, de outro, consolida a conquista feminina do direito de escolher o que quer fazer, e como viver.

No entanto, os apavorados conservadores, ficam freando as conquistas de direitos sem entender a parte que lhes interessa. Sem conseguir evoluir e dialogar com as novas tendências que questionam e questionarão sempre as coisas como são. Uma luta que está mais na educação para um novo cotidiano do que na conquista em si de direitos, mantido o ambiente da pisiquê capitalista, que normaliza a violência do mais forte, as desigualdades e as exclusões.

O próprio Fórum Econômico Mundial, que reúne em Davos, na Suíça, o topo do capitalismo, uma vez por ano, estima que o PIB mundial aumentaria em pelo menos mais 5,8 trilhões de dólares, até 2025, caso as disparidades econômicas entre os gêneros diminuíssem em apenas 25%. Vale lembrar que a maior disparidade é o fato de que, ainda hoje, as mulheres ganham em média 70% que os homens, para realizar a mesma função.

Se tivéssemos hoje a igualdade econômica entre homens e mulheres, o PIB do Reino Unido aumentaria em mais de 240 bilhões de libras. Nos EUA, somariam mais 1,2 trilhões de dólares, pelo menos. O Japão somaria mais 26 bilhões, a Alemanha mais 285 bilhões de dólares. A China, somaria pelo menos 2,5 trilhões. Estimativas generalistas e iniciais. Ainda não há estudos sobre o impacto em setores específicos, como o da economia doméstica, que desde a limpeza até o cuidado com crianças e idosos, tende a movimentar e gerar postos de trabalho que nem o turismo consegue.

O perfil e habilidades da mulher no trabalho, seja como alta executiva, seja mestre de obras, já demonstrou uma capacidade de agregar valores antes insondáveis. Portanto, para muito além do que a mulher representa em ganho monetário para a Sociedade capitalista, o significado qualitativo inclusive dos valores e práticas do acolhimento, do aprendizado permanente e das soluções mediadas com menos resistências, são ganhos para a Sociedade que vão para além do sistema econômico, humanizando as relações econômicas. Uma tendência de difícil reversão.

Mas os desafios para a conquista da igualdade de gênero em reconhecimento e direitos ainda são muito grandes. Até as mulheres de classe média alta, que já circulam pelos cargos em grandes empresas tem com que se preocupar. Pesquisa da empresa de recrutamento Catho constatou que em 2005 a desigualdade salarial entre homens e mulheres era de 52%, no Brasil. Em 2017, a desigualdade salarial tinha crescido para 75%. Sim, pode piorar. Se não cuidar, a vontade de sair da sombra empurra muitas mulheres a aceitar condições aviltantes em relação ao já praticado pela própria empresa. Complexo.

Nada que as intimide. Aliás, quando praticarmos a educação do exemplo, desde o ambiente familiar, como geradora de uma nova Sociedade, as mulheres assumirão o controle das mudanças estruturais.
Que assim seja!

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