O papel econômico dos Direitos – Viva o 1º de maio – Por João Arroyo

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Por João Claudio Tupinambá Arroyo

Para me amostrar, outro dia perguntei sobre o direito dos estudantes à meia passagem nos ônibus, para um grupo de jovens, esperando humildemente que contassem a história da minha geração na épica luta pela meia passagem em 1984, que parou Belém, quando estávamos como dirigentes do DCE(Diretório Central dos Estudantes) da UFPA. Que decepção, uma parte achava que a meia passagem tinha sido dada graciosamente pelo governo e outra parte pensava que era uma espécie de promoção dada pelos empresários.

Senti na pele a falta que a história faz enquanto ciência e base para a cidadania. Muitos acham que a jornada de trabalho sempre foi de 8h, que sempre existiu férias, que sempre existiu fim de semana e que sempre existiu 13º salário. Não, no século XIX, no processo de consolidação do Capitalismo e da Revolução Industrial, as lutas dos trabalhadores cresciam por melhores condições de trabalho. As principais reivindicações eram exatamente a redução da jornada de trabalho, de 13 a 15 horas por dia, como era praticada sem regulação, para 8 horas diárias. Também reivindicavam um mês de férias anual e folgas semanais remuneradas, que antes não existiam, espalhando doenças e esgotamento. Os sindicatos surgiram das caixas de ajuda mútua para que conseguissem enterrar os que morriam de trabalhar, literalmente.

Não faz muito tempo. Em 1º de maio de 1886, em Chicago(EUA), trabalhadores tomaram as ruas e a luta se espalhou pelo mundo parando as mais importantes zonas industriais do planeta. Uma onda parecida com a que vimos em defesa das “vidas negras” logo após o assassinato de George Floyd – só que sem instagram. Uma pressão tal, que coisas que ninguém acreditava, aconteceram. E gente muito poderosa passou a defender os direitos reivindicados. Alguns tentavam dizer que a jornada de 8h e as férias era uma evolução natural do sistema e que nada tinham a ver com as lutas dos trabalhadores. Claro, alguns trabalhadores acreditaram. Mas em 1889, trabalhadores franceses se reuniram e exigiram que o parlamento instituísse o 1º de maio como Dia do Trabalho para que não esquecessem que as conquistas eram fruto de uma luta comum dos trabalhadores, em todo o mundo.

De fato, possui amplo consenso na academia, a ideia de que o Direito, para ser legítimo, tem que surgir do seio da Sociedade, de sua percepção de Justiça. E, o ideal, é que a elaboração das leis no parlamento, reconheça o que a Sociedade considera justo. Portanto, como marca a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, para que se tenha paz social, os Direitos devem resguardar a todos a garantia de vida digna. Enquanto não houver garantias de que todos e todas possuem vida digna, a Sociedade, seja qual for seu sistema político e econômico, não terá cumprido a sua missão.

Vida digna significa conforto material, social, racial, de gênero, cultural, religioso e político, exige condições dignas de trabalho e estas ainda não estão garantidas. De 1996 para cá, 55 mil brasileiros foram resgatados de trabalho escravo contemporâneo, segundo dados da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), do Ministério da Economia. A maior parte destas ocorrências é no Pará.

Sempre que os direitos não são respeitados cresce a desigualdade. Desigualdade social significa desigualdade de renda, riqueza e poder. Significa que poucos exercem muito mais poder econômico e político que a maioria, e esse desequilíbrio leva a Sociedade à perda de qualidade de vida, perda ao acesso à educação cidadã e a passar a conviver com a violência social, inclusive o crime organizado que cresce na ignorância, na miséria e no desespero. Sem direitos trabalhistas o cidadão e a cidadã ficam reféns das injustiças e a Sociedade volta à barbárie da “lei do mais forte”.

Todas as nações mais prósperas e desenvolvidas, em paz social, possuem baixa desigualdade socioeconômica, garantida pelos direitos para todos, controlando fortemente a prática de privilégios. Aprenderam que os Direitos são fortes propulsores econômicos em uma estratégia de desenvolvimento sustentável. Em vez de optarem por desenvolverem negócios a cada ilegalidade, a cada sonegação, a cada corrupção, que só quem tem muito dinheiro pode fazer, as nações mais desenvolvidas transformam cada Direito uma fonte de negócios, públicos e privados, corretos e lucrativos. Se há direito à moradia, então vamos organizar todo o engenho empreendedor para atender esta demanda. O mesmo com Educação, Saúde, Infraestrutura etc. A gente já se acostumou tanto com negócios e lucros escusos que usar na mesma frase “Direito” e “Negócio” até ofende, né? Mas se a gente entender que na origem, negócio é quando um serve o outro, quando um “nega o ócio” para servir, como entendemos na perspectiva da Economia Solidária, talvez assim eu escape das fogueiras das certezas…

Os Direitos Trabalhistas cumprem papel chave nesta nova engenharia socioeconômica de gestão, porque eles conferem a base da renda que estabelece o patamar de consumo. Sem renda e condições de consumo, não há oportunidade de empreender. Ora, quando em 1886 reivindicavam a redução da jornada de 13 para 8h, muitos diziam que iam falir, que não era possível economicamente, nem justo, outros invocavam Deus e assim por diante. Imagina pagar um mês sem o trabalhador trabalhar, “esse negócio de férias é um absurdo”. Com as 8h a saúde melhorou e com ela a produtividade, com o tempo livre dos fins de semana e das férias muitos outros negócios de veraneio surgiram. A economia cresceu.

Mas como? É que descobriram que o fator de produção é Trabalho, mas trabalhadores são pessoas e como pessoas, além de produzir, vivem, sonham, brincam, reproduzem, consomem. E precisam ser respeitados como gente. Mas ainda falta muito.

As mulheres ainda recebem menos que o homem na mesma função. Os negros e LGBTs são os que mais sofrem com subemprego e desemprego. O Salário Mínimo(SM) criado no Brasil em 1938, se fosse corrigido para hoje mantendo seu poder de compra, seria de 5.300 reais(DIEESE), mas está em 20% disto, 1.100 reais. De 2016 para cá o SM deixou de ser corrigido acima da inflação, perdendo ainda mais seu poder de compra real. Em 2014, com quase a mesma CLT de 1943, batemos no pleno emprego, quando o desemprego é inferior a 5%. Hoje, depois da reforma “modernizadora” estamos a 13% com 25 milhões de desempregados e desalentados e 33 milhões que, no século XXI, trabalham sem carteira assinada. Além dos quase 12 milhões de MEI, a maioria com baixíssima renda em função das instabilidades políticas e econômicas da conjuntura do momento.

Se Adam Smith, para quem o Trabalho é o único Fator de Produção que gera valor e riqueza para a nação, fizesse sua análise, veria que o Brasil está quebrado em seu principal fator – o trabalho. Mas é preciso ver além. O impacto psicológico desta “crise”(ou projeto?) fragiliza ainda mais as pessoas que dependem de sua própria força de trabalho. O desemprego e a diminuição das oportunidades de negócio, levam ao desespero e as pessoas se tornam vulneráveis a aceitar condições ainda piores de trabalho e remuneração, incluindo as oportunidades ilícitas. No desespero, uns acabam rejeitando a Solidariedade, uma das soluções a seu alcance, e topam tudo se submetendo às condições de outros que aumentam seu faturamento e sua margem de lucro. Por isso que, assistimos ao mesmo tempo, mais 19 milhões de brasileiros perderam sua segurança alimentar e 20 novos bilionários brasileiros entraram na lista da Forbes.

Precisamos desenvolver uma inteligência social e política capaz de elaborar e negociar consensos amplos para fazer do fortalecimento da economia interna a base de uma estratégia baseada na sustentabilidade. Neste esforço, precisamos compreender por que e como chegamos aqui assim. Não há saída sem saber de nossa história como povo. Sem isso nosso projeto de Sociedade fica fraco porque não conhecemos a força que temos. Hoje, diante deste 1º de maio, este sentimento vem forte porque estamos em um momento que precisamos muito exercitar nossa cidadania democrática em plenitude, precisamos de nossa capacidade de ver os fatos como são, fazer as contas com nossas tradições coloniais e refletir uns com os outros e concluir o que é realmente importante.

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