
Quem cresceu nos municípios ribeirinhos da Amazônia muito provavelmente já ouviu falar na figura do “Regatão”. O comerciante ambulante que singrava os rios e igarapés amazônicos, em barcos ou canoas, de comunidade em comunidade, comercializando mercadorias e miudezas para pequenos produtores caboclos e demais comerciantes do interior em troca de produtos regionais, agrícolas e extrativistas. Desde o século XVIII, esse comerciante dos rios atuava na região. Com advento do sistema de aviamento, a ligação entre seringalistas e casas aviadoras, o regatão passou a funcionar clandestinamente, comercializando à noite, visando escapar da vigilância dos proprietários dos seringais.
O papel do regatão na economia amazônica tem suas origens no início da ocupação europeia da região. Durante boa parte do período colonial, a maior parte do comércio entre as capitais amazônicas o interior foi conduzida por comerciantes itinerantes chamados de “comissários volantes”. Muitos desses comerciantes vieram dos grupos de pequenos produtores colonos que, incapazes de obter uma quantidade suficiente de mão-de-obra indígena para a lavoura, optaram pelo comércio como melhor alternativa. Esses comerciantes, cujas operações frequentemente envolviam apenas uma canoa e uma quantidade de cachaça, fizeram um comércio lucrativo, embora ilegal, com as aldeias indígenas do governo, comprando produtos florestais e agrícolas de índios e de diretores corruptos das aldeias. Apesar de constantes tentativas, as autoridades coloniais nunca conseguiram erradicar, e nem regular, essa forma de comércio. Consequentemente, no final da época colonial, os regatões eram um elemento onipresente do comércio amazônico. Com a Independência e o declínio do pouco comércio e transporte organizado que existia entre Belém e o interior, o número de regatões aumentou.
Com o crescimento da economia da borracha depois de 1850, os regatões assumiram um papel cada vez mais importante no desenvolvimento do sistema de aviamento. Os portugueses e caboclos, os quais exerceram a atividade no início, foram substituídos pelos imigrantes sírios, libaneses e judeus no decorrer do século XIX. Viajando cada vez mais longe rio acima, os regatões estenderam a influência das casas aviadoras no interior, incorporando as redes comerciais locais nos impérios crescentes dos comerciantes de Belém e Manaus. Nenhum barracão jamais conseguiu competir com o fascínio despertado pelos pequenos mascates com seus batelões maravilhosos, cujas prateleiras exibiam pequenas e fascinantes novidades. De fato, além de armas e munições, querosene, sal, açúcar, sabão e charque – essenciais para a subsistência do seringueiro – o regatão oferecia deslumbramento para sua alma: eram cortes de lamê e tafetá coloridos e macios, os perfumes baratos de cheiro ativo, as brilhantinas, as chitas estampadas e as rendas, as pulseiras e brincos, as linhas e agulhas, os cintos, os sapatos, os batons, os biscoitos e bombons, os sabonetes e as anáguas. Impunha-se através do regatão um gosto e uma tolerância amazônicos por excelência, quebrando a lógica do capital e do lucro.
Apesar de serem perseguidos por seringalistas e aviadores, correr riscos, os comerciantes de regatão insistiam na atividade, negociando clandestinamente com os seringueiros em troca de mercadorias ou dinheiro pela borracha. Procurando sempre obter o maior lucro possível, face os riscos, esse comerciante regateava o preço da mercadoria comprada junto ao seringueiro, muitas vezes, ludibriando-o. Contudo, apesar do valor negociado com o regatão ser um pouco inferior ao que era pago pelo seringalista pela sua borracha, o seringueiro recorria a esse comércio clandestino como uma forma de resistência, visando suprir necessidades nunca atendidas pelos patrões do seringal. Portanto, a venda para o regatão representava uma oportunidade de estender seu poder de compra e obter bens que não eram oferecidos pelo patrão. Nesse sentido, o regatão ofereceu aos caboclos uma alternativa aos laços comerciais abusivos impostos pelo sistema de aviamento.
Após o primeiro ciclo da borracha – excetuando o curto período histórico da Segunda Guerra Mundial – a importância do regatão ou o reconhecimento de sua importância na construção das sociedades da floresta cresceu. Antes da chegada rádio e do Departamento de Correios e Telégrafos (DCT), o contato entre o homem do interior da região e o centro urbano era feito pelo barco que abastecia os seringais e pequenas povoações com suas mercadorias. O regatão quebrava o isolamento e levava as cartas dos parentes que viviam nas localidades, às margens dos rios. Ele passou a ser o único fornecedor das famílias remanescentes dos seringais abandonados pelos seringalistas, e assim foi se tornando compadre, padrinho, sócio ou patrão.
Um aspecto ainda pouco conhecido do personagem regatão é sua contribuição nas lutas de resistência dos caboclos da região. A história registra sua participação em movimentos importantes como a Cabanagem no Pará, dos quilombolas no Maranhão, Pará e Amapá, e dos índios no Amazonas, aos quais ajudou com o transporte ou fornecimento da armas e alimentos. As transformações promovidas na Amazônia pelo Golpe Militar de 1964 também levaram os regatões a ter um lado político: eles, negócios à parte ou não, ficaram do lado da resistência das populações tradicionais.
O regatão ficou tão entranhado na memória da Amazônia que, não por acaso, a Rádio Clube do Pará manteve no ar, por décadas, um programa líder em audiência, no horário noturno, que se inspirava nesse modelo do comércio fluvial. Era “O regatão vem aí”, apresentado por Jacy Duarte, que levava muita música sertaneja, piadas e lendas amazônicas a todas as regiões do estados do Pará.