Foto: José Cruz/Agência Brasil
Por João Claudio Tupinambá Arroyo
Pensar o futuro sempre causa algum desconforto, por aqui. Lembro, quando estive na SUDAM, a luta para fazer a maioria dos políticos e empresários entenderem o papel do planejamento do desenvolvimento econômico. Não é possível planejar o desenvolvimento de uma realidade altamente complexa como a nossa, se a maioria opera pensando na próxima eleição ou no próximo balanço. O tempo econômico é completamente diferente do tempo eleitoral ou do tempo contábil. Todas as grandes economias planejam para 50 anos. Falar aqui em 10 anos é entendido como proselitismo e balela. Mas também conhecemos exceções que souberam dialogar com o planejamento estratégico e manter em nós a convicção de que sim, é possível pensar o futuro.
Infelizmente, como a maioria dos nossos “tomadores de decisões” não se sentem sujeitos responsáveis pela nossa própria história, nem guardam identidade com nosso povo e nosso território e ambiente, sequer se pautam pelo desafio de construir nosso futuro com criatividade e soberania, delegando assim a definição do nosso futuro a outros, em regra, de fora, tal como no período colonial. Os que vêm de fora apenas buscam maior remuneração para seus investimentos, o que é legítimo, mas quando não encontram no local lideranças que negociem pensando com soberania na qualidade de vida da Sociedade, sofremos com relações de mera extração de riquezas com baixíssima internalização de capital bruto e social.
A mineração, por ser uma atividade econômica com prazo de validade, já que opera com recursos não renováveis, talvez seja a que mais necessita ser pensada no espaço-tempo de maneira adequada. Mas, para se pensar o futuro é preciso estudar o passado. Trazemos aqui o exemplo de Serra do Navio, maior depósito de manganês do estado do Amapá, onde também pensavam que não acabaria nunca e por isso não se preocuparam com o “dia seguinte”.
A cidade de Serra do Navio, no Amapá, tão perto e tão longe, foi criada, em 1959, a partir das instalações para alojar os funcionários da ICOMI – Indústria e Comércio de Minérios, que firmou contrato de exploração de jazida de manganês do ex território federal em 1953, por 50 anos, ou seja, até 2003. Entretanto, como a velocidade da extração do minério avançou tecnologicamente mais do que o antes estimado, esgotou a reserva antes do tempo previsto e a empresa deixou o local em 1997.
Enquanto a sede estava sendo administrada pela ICOMI, a vila era modelo de organização e eficiência em todos os setores, obviamente para atrair trabalhadores altamente qualificados. Tudo funcionava satisfatoriamente, pois os moradores não precisavam sair da vila para nada. Com relação ao atendimento médico, eram efetuadas cirurgias que até hoje não se realizam na capital. Em 1992, com a instalação do Município, a sede passou a ser administrada pela Prefeitura. Com baixo orçamento ficou difícil manter o padrão implantado pela ICOMI, pois a manutenção de uma estrutura daquele porte demandaria bastante recursos. Com a saída definitiva da ICOMI, de sua parceira norte-americana, a Bethlehem Stell, e a ausência de alternativas econômicas compatíveis, a decadência foi inevitável. A favelização tomou conta, a miséria social grassava. No desespero, correndo atrás do prejuízo, tenta-se fazer da cidade uma atração turística. Mas qualquer empreendedor sabe que a viabilização de uma alternativa econômica deste porte leva anos.
No Pará, como em Minas Gerais inclusive, o quadro geral da mineração segue o mesmo roteiro. Com alto poder de investimento econômico, as empresas influenciam diretamente as estruturas de poder político e social, passando a exercer uma força decisória, para muitos, irresistível. Conseguem assim condições impensáveis de operação, se estivessem instaladas em países ditos de “primeiro mundo”. Baixa tributação, baixo custo de operação com a exclusão do adequado cuidado ambiental, parcerias com o poder(recurso) público para estruturação de infraestrutura estratégica de grande porte, como hidrelétricas, derrocadas de cursos navegáveis, portos etc, em que são os maiores beneficiados diretos. Alcançando assim, patamares de remuneração de acionistas raríssimas.
Segundo Charles Alcântara, presidente da Fenafisco, o Pará assistiu “nos últimos 20 anos, o valor da produção mineral aumentar em 40(quarenta) vezes. O valor das exportações minerais cresceram 16 vezes. O Pará elevou sua participação na exportação nacional de 4 para 10%” porque hoje, de toda a produção mineral brasileira, quase metade(47%), é no Pará. O incrível, que salta aos olhos, é que nestes mesmos 20 anos, os empregos diretos na mineração cresceram insignificantes, 0,3%. Claro, como em qualquer setor, os ganhos de produtividade com a tecnologia, que fazem o mesmo trabalhador passar a produzir muitas vezes mais o que produzia, no mesmo tempo, não implica em aumento salarial real, mantendo a circulação econômica local estagnada, apesar do volume de minério extraído vir crescendo constantemente.
Não obstante a baixíssima internalização de riquezas e ativos econômicos na região, a mineração contou com a Lei Kandir(1996), que desonerou exportações, na mesma época em que se aprovou a não tributação do lucro no Brasil, excrecência mundial. Ou seja, a força política do setor mineral, combinada com a subserviência da maioria dos tomadores de decisão daqui, perfez um ambiente de negócio único, no mundo.
Um ambiente em que, em 2009, pressionados pelo governo federal e estadual, fez com que se lançasse, em Marabá, a pedra fundamental da ALPA, Aços Laminados do Pará, que iniciaria o processo de verticalização do minério, eu estava lá. Passados 12 anos, a pedra está do mesmo jeito e o minério continua a ser exportado sem valor agregado. Mas quem decidiu que nós temos que estar limitados a exportar commodities, sem internalização de capital?
Mas eis que surge uma novidade no horizonte. No final de 2020, o governo Helder Barbalho toma a iniciativa de propor a Assembleia Legislativa a destinação dos recursos do CFEM, Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais, não mais para o orçamento estadual geral que o reduzia todo à custeio miúdo, mas a um fundo específico para o fortalecimento da ciência e startups, gerido estrategicamente pela SECTET, a secretaria de ciência e tecnologia. Agora o fundo se dirige à investimentos econômicos estratégicos.
Outra atitude do governo estadual que inaugura uma nova postura política diante da mineração foi o aperto na cobrança dos tributos sobre a mineração que, de fato, são baixos. Voltando a cobrar a Taxa Minerária, suspensa em 2015, sob a velha argumentação de atrair investimentos. Era, mais ou menos, como pagar para ser explorado. Mas a nova postura estadual é importante para estabelecer um novo patamar e novos termos de negociação com o setor que, ao contrário do que ameaçam, não tem para onde ir, a jazida está aqui.
Não se trata de demonizar o setor, muito ao contrário, se trata de fazer nosso dever de casa para torná-lo um propulsor real de desenvolvimento para o conjunto da Sociedade, começando já a desenvolver setores e estratégias que possam ocupar o lugar da mineração quando esta se esgotar. Mas esta nova postura precisa ser assumida por todos nós, estamos diante de um desafio que não cabe no tempo dos mandatos, nem no da gestão de empresas específicas porque estamos falando de empresas que ainda nem existem mas são fundamentais para nosso futuro, ou seja, este é o momento de reorganizarmos a lógica do que entendemos como bom ambiente de negócio, incluindo fortemente a melhoria da qualidade de vida do conjunto da Sociedade, para que todos tenham oportunidades, com segurança e sustentabilidade.