Os custos da revolução urbana na Belle Époque atravessaram as décadas, até a Era Vargas (Col. Allen Morrison/Biblioteca Nacional)

Em 1944, a revista varguista “Cultura Política” publicava nacionalmente um relatório realizado com base em auditoria das contas dos municípios brasileiros feita pela Secretaria técnica da comissão de Estudos Econômicos e Financeiros, com vistas a verificar o grau de endividamento externo das suas principais capitais. Logo em sua apresentação, o relatório fez duras críticas à falta de controle do governo federal durante a Primeira República levando em conta que as dívidas eram feitas, ainda que indiretamente, em nome do governo brasileiro. Segundo o relatório: “Estados, Municipalidades, companhias ferroviárias e o próprio organismo do café usaram e abusaram do crédito estrangeiro, operando diretamente com endosso da União. Qualquer pretexto servia para o apelo ao ouro amealhado no exterior”.

Das capitais, três foram destacadas pela gravidade da situação. Belém do Pará ganhou o título de capital mais endividada do Brasil, seguida de Porto Alegre e Manaus. Segundo dados oficiais, Manaus comprometia 35% de sua renda com pagamento de empréstimos; em Porto Alegre, 50% da receita era encaminhada aos bancos.

Em Belém, segundo o relatório, todos os limites imagináveis foram extrapolados com uma dívida que representava 20 vezes a receita orçamentária do município. A razão do déficit de Belém, assim como Manaus, era, segundo o estudo, facilmente identificável: a reforma urbana promovida pelo intendente Antônio Lemos no período do auge da economia da borracha.

Com vistas a transformar a cidade em uma “Paris dos trópicos”, empréstimos de alto valor foram contraídos contando com alta arrecadação do início do século XX. Com a queda do preço da borracha e a consequente diminuição do fluxo comercial e da arrecadação, os empréstimos se mostraram impagáveis. A inadimplência e o atraso nos pagamentos só contribuíram para agravar a situação, aumentando as dívidas e impedindo a contratação de novos empréstimos, o que levou Lemos a ser defenestrado em 1911.

Observa-se naquele momento da “Belle époque” que, na mentalidade dos gestores, o estado dos cofres públicos não prescindia de planejamento e boa aplicação dos recursos. O gasto demasiado de verbas públicas em obras de pedra e cal necessárias, mas feitas quase sem estudos e planejamento, ou sem a preocupação de torna-las exequíveis do ponto de vista financeiro. Some-se aí as contingências de do distanciamento de Belém dos centros produtores de bens de consumo e de mão de obra qualificada, gerando dificuldade na execução de obras.

Um exemplo específico é o Theatro da Paz, que teve a execução de sua construção confusa, com alteração contínua de planos e sobreposição de orçamentos. A edificação do teatro custou aos cofres públicos perto de 800 contos de réis – em torno de 230 mil dólares da época – quase o dobro do seu orçamento inicial. Uma conversão automática aos valores de hoje seria totalmente arbitrária, visto as inúmeras flutuações do câmbio da época, mas, para efeito de comparação, o Almanach do Diário de Belém de 1878 relatava que arrecadação do imposto predial no município girava em torno de 167 contos de réis.

A partir desses episódios, da saída de Lemos e do fim da economia da borracha, sucedem-se tempos de dificuldades econômicas, em face dos parcos recursos disponíveis para o melhoramento da cidade e de seus serviços.

Na Era Vargas, Belém do Pará era o caso mais grave em um cenário nacional em que o endividamento era um problema crônico. No período da Segunda Guerra, houve o agravamento da situação da gestão municipal. Com o alto índice de endividamento, serviços públicos sucateados e o abastecimento da cidade em crise, restava aos belenenses a esperança de que os Acordos de Washington, concomitantemente ao retorno de Magalhães Barata, conseguissem reerguer uma cidade que poucas décadas antes estava entra as mais ricas do Brasil.

O abastecimento elétrico da capital paraense, fornecido pela Pará Electric, era intermitente e não produzia nem metade da energia gerada no início do século. No transporte público realizado antes na capital paraense pelos mais de 100 bondes elétricos, funcionava apenas um terço dos veículos, ainda de maneira precária, segundo noticiava A Província do Pará. Nos bairros periféricos, especialmente após o aumento populacional causado pelo incentivo à migração nordestina da campanha do “soldado da borracha”, a crise de abastecimento de água era evidente. O acesso à água potável era feito por tonéis conduzidos por caminhões e distribuídos pela prefeitura. A irregularidade no serviço e os conflitos eram, portanto inevitáveis.

Os investimentos feitos para dotar a cidade de infraestrutura, no início daquele século, eram insuficientes no período em questão, pois os serviços encontravam-se, então, totalmente desgastados, sem manutenção e obsoletos. A carência de recursos era o principal motivo alegado pelo Município para este sucateamento.

Sem dúvida, foram tempos difíceis para uma população urbana que, anos antes, vivera o apogeu da borracha e que, agora, naqueles idos de 1940, via-se privada de inúmeros itens então considerados básicos para a vida em uma cidade. Aquela Belém europeizada se cristalizou no imaginário coletivo, quase num “sebastianismo”, uma cidade dos sonhos, que imprimiu nas gerações posteriores uma verdadeira nostalgia do ciclo da borracha, uma saudade daquilo que não se viveu.