

No Pará, a devoção a Nossa Senhora de Nazaré teve início no século XVII. De acordo com pesquisadores, isso ocorreu com a chegada dos padres Jesuítas portugueses que se instalaram no atual Município de Vigia – núcleo proveniente de um posto alfandegário instituído pelo governo colonial para fiscalizar e repelir embarcações que tinham como objetivo saquear Belém. É do jesuíta alemão João Filipe Bettendorff a mais antiga referência sobre a devoção paraense a sua padroeira, informando que em 1697 “visitou na Vigia, de passagem, a milagrosa imagem de Nossa Senhora de Nazaré”, e acrescentou: “… é o que lá tem de melhor, que de todas as partes se frequenta de romeiros que vão lá fazer suas romarias e novenas”.
A colonização da Amazônia desenvolveu-se assentada nas missões religiosas, Franciscanos, Mercedários, além dos Jesuítas, onde os povos índigenas eram submetidos a catequese, o que também representava uma estratégia de defesa do território. Belém do Pará não fugia ao modelo, abrigava diversas congregações religiosas que ocuparam pontos estratégicos onde desenvolviam a agricultura e o extrativismo, contribuindo para a formação do território urbano. Neste contexto, um morador da cidade encontrou a Imagem de uma santa denominada Nossa Senhora de Nazaré, fato que alterou profundamente o modelo de expansão da cidade.
Sobre o achado da Imagem, diz-se que o homem que a encontrou chamava-se Plácido José de Souza, um caçador algumas vezes citado como um mulato, outras vezes como um caboclo, filho de pai branco e mãe indígena, que morava em uma palhoça na mata original do que atualmente representa a Praça Justo Chermont, ocupada pelo Conjunto Arquitetônico de Nazaré – CAN. Historiadores sustentam que a Imagem foi encontrada naturalmente a poucos passos ao sul da Estrada do Maranhão (atual Avenida Nazaré), às margens do igarapé Murucutu – posteriormente batizado Igarapé da Santa – por volta do fim de 1700, e há hipótese de que poderia ser oriunda da atual região do município de Vigia, bem como Plácido.
O caçador acreditava que a Imagem fora esquecida por algum peregrino em viagem para o Maranhão, pois era ali o ponto onde os viajantes bebiam água e abasteciam suas reservas para a jornada. Plácido levou a imagem para casa, mas não a encontrou no dia seguinte. A Santa foi localizada apenas no Igarapé onde havia sido encontrada originalmente. O caboclo tentou levar a imagem outras vezes, mas ela sempre desaparecia e retornava ao local “de origem”. A imagem chegou a ser levada para a capela do Palácio do Governo da Província, onde ficou guardada por escolta – mesmo assim, pela manhã, não estava lá. Entendendo o “desejo” da Santa, Plácido resolveu construir um altar no local, como sinal de devoção. A notícia se espalhou por toda a região, dando início ao culto à Virgem. A partir daquele achado, inicia-se a configuração do que se tornaria o bairro de Nazaré.
Com ajuda do seu melhor amigo, Antônio Agostinho, Plácido concebeu o plano e edificou a ermida de Nossa Senhora de Nazaré, cujo nome tomou também a estrada que partia da Cidade (atual Cidade Velha), onde fez, com anuência do governo provincial, um largo quadrilátero de 74 braças de largura (aproximadamente 162 metros). Após sua morte, por volta de 1772, seu amigo continuara o culto à Santa na palhoça humilde que servia de capela, onde, mais tarde, idealizou a construção de uma igrejinha de melhor estrutura para abrigar a Imagem. Com o passar do tempo, cada vez mais pessoas visitavam a capelinha. Depois da construção original, ainda seriam construídas outras três capelas, em momentos diferentes, cujas dimensões eram sempre maiores do que as anteriores, que estavam substituindo. Essa necessidade de ampliação culminou, dois séculos mais tarde, na construção da majestosa Basílica Santuário.
Em 1792, o então capitão-geral do antigo estado do Grão-Pará e Rio Negro, Francisco de Souza Coutinho, visitou o local onde havia sido construída a capela para abrigar a imagem de Nossa Senhora de Nazaré, onde ficou muito impressionado com a quantidade de devotos que comparecia ao local e, após autorização concedida por Portugal, decidiu organizar uma grande feira de produtos agrícolas para atrair a atenção de todo o estado para Belém.
Após alguns meses de preparação, porém, o capitão adoeceu. Com receio de não poder fazer a abertura da feira, prometeu que se recebesse a graça da cura, pediria a celebração de uma missa e depois levaria a imagem de Nossa Senhora de Nazaré em um palanquim, junto com a população, até a capela. Ao alcançar a cura, o capitão cumpriu sua promessa e aconteceu assim o primeiro Círio de Nazaré, com uma grande procissão que ocorreu no dia 8 de setembro de 1793.
O caminho primitivo percorrido pela romaria era longo, estreito, atravessava uma floresta e precisava ser capinado anualmente. O único pedaço de chão limpo em toda a redondeza era o quadrilátero onde estava situada a capela. Quando chegava a época dos festejos, que ficaram conhecidos como Quadra Nazarena, o mato era derrubado em volta da clareira, onde eram erguidas barracas para acomodar as famílias e comerciantes que se abrigavam durante as comemorações. Nos primórdios do Arraial de Nazareth, o local enchia-se de pessoas, festeiros e famílias, que vinham acompanhar as celebrações religiosas e profanas. As festas religiosas ocorriam dentro do templo e as profanas aconteciam no largo à frente. Ao fim da reza, o povo dispersava-se pelo descampado entregando-se às brincadeiras, bailes e jogos.
Naquele tempo, a Estrada do Maranhão, também chamada Estrada do Utinga, se configurava em uma trilha de chão que adentrava na floresta, a partir do Largo da Pólvora (atual Praça da República), na proximidade do velho cemitério, e se multiplicava em diversos ramais permitindo aos moradores e frequentadores à prática da caça, da pesca e da exploração extrativista de frutos da floresta. Do Arraial que se formou da pequena ermida da Santa, irradiavam várias estradas em direção a outros pontos da cidade como o Tucunduba, Campina, Umarizal, Soledade e São Brás. Em todos os sentidos abriram-se ruas que ligavam Nazareth a outros destinos. Essas estradas logo eram habitadas e povoadas por casas particulares e edifícios públicos. Isso ocorreu em Nazaré porque o local atraía romeiros, era ponto de partida e chegada do Círio, lugar da festa mais popular da cidade. Assim, de Largo suburbano Nazareth transformou-se em Largo urbano, devido ao interesse que o lugar despertou nos governantes do Estado, nos administradores da cidade e na população em geral.
Entre 1852 e 1881, foi o tempo de edificação de uma Matriz em alvenaria – atual barraca da Santa e residência dos Padres Barnabitas – sendo instalada em 11 de outubro de 1861 a Paróquia de Nossa Senhora de Nazaré do Desterro. Na condição de paróquia, a igreja passou a prestar maior assistência espiritual e social aos paroquianos e viu crescer seu entorno, cada vez mais habitado e melhorado pelo Poder Público.
A chegada dos Barnabitas em Belém deu-se apenas em 1904, quando os mesmos receberam a missão de cuidar da Paróquia de Nazaré. A ideia de construir uma Basílica partiu do Padre Barnabita Luiz Zóia, que encomendou o projeto do arquiteto italiano Gino Coppedi e iniciou sua construção em 1909, sendo necessário demolir parte da igreja anterior para dar lugar ao novo templo.
Depreende-se, portanto, que o desenvolvimento urbano do bairro de Nazaré teve início ainda na primeira metade do século XVIII, quando Plácido construiu um altar na sua palhoça, seguida pelo levantamento da ermida e das igrejas antecessoras da grande Basílica, até a elevação desta à categoria de Santuário Mariano Arquidiocesano, em 2006, passando a denominar-se Basílica Santuário de Nossa Senhora de Nazaré.