Foto: Jose Zamith de Oliveira Filho/Divulgação
O Atlas da Amazônia Brasileira foi lançado nesta segunda-feira (5) pela Fundação Heinrich Böll no Brasil, e busca desconstruir estereótipos da região com um conteúdo que contribui para uma mudança urgente de perspectiva, para que pessoas do país e do mundo possam conhecer a Amazônia novamente, desta vez sob a perspectiva dos diversos habitantes da região.
Trata-se de uma publicação inédita com 32 artigos que abordam os desafios, os saberes e as potências da maior floresta tropical do planeta.
A iniciativa busca ampliar o debate sobre justiça climática e territorial em um ano marcado pela realização da COP30 na Amazônia brasileira. Entre os 58 autores e autoras, estão 19 indígenas, cinco quilombolas e dois ribeirinhos.
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Para o coordenador da área de Justiça Socioambiental da Fundação Heinrich Böll no Brasil e co-organizador do atlas, existe uma visão de que a Amazônia é só floresta, mas existe uma riqueza singular na região que muitas vezes fica invisibilizada.
“A gente mal sabe que 75% da população da Amazônia é urbana. Tem povos e comunidades que há muito tempo trabalham na relação com a natureza, com formas de proteção e preservação ambiental com a construção de um bem viver cada vez mais sustentável. É preciso colocar quem está nos territórios para ter um papel de protagonista nesses debates.”
Segundo da Fundação, entre 2019 e 2022, a Amazônia registrou recordes de desmatamento (principalmente para abertura de pastagem para criação de gado); o garimpo ilegal em áreas protegidas (principalmente em terras indígenas da região amazônica) cresceu em 90%; e cidadãos estimulados pelo avanço da extrema direita se armaram – entre 2018 e 2022 o número de pessoas com registro de armas na Amazônia Ocidental aumentou 1.020%.
Ao mesmo tempo, em 2022 a Amazônia reuniu mais de um quinto dos assassinatos de defensores do meio ambiente em todo o mundo: foram 39 ativistas assassinados na região naquele ano.
Crises
Em 2023, o mundo teve acesso às cenas da crise humanitária vivida pelo povo indígena Yanomami, cujo território, nos anos anteriores, foi tomado pela atividade garimpeira ilegal.
No mesmo ano, a Amazônia foi assolada por uma intensa crise climática, com secas extremas e rios alcançando os mais baixos níveis já registrados, o que, além da morte de animais, impactou sua extensa infraestrutura fluvial, levando à escassez de água potável e alimentos, além da dificuldade de acesso a aparelhos públicos.
Os danos não foram totalmente superados e outra seca atingiu a região em 2024. No mesmo ano, o bioma amazônico concentrou o maior número de focos de incêndio dos 17 anos anteriores, e o impacto da fumaça na qualidade do ar prejudicou a saúde de milhares de pessoas – sendo transportada pela atmosfera para outros estados das regiões Centro Oeste, Sudeste e Sul do Brasil.
Outros biomas que compõem a Amazônia Legal, como o Pantanal e o Cerrado, também atingiram recordes de queimadas.
Assim, na avaliação da fundação, os últimos anos parecem ter desenhado um futuro sombrio para a Amazônia e sua população, seja pelos impactos do colapso climático na região, seja pelas disputas políticas que ditam não apenas o ritmo da intensificação de crimes ambientais (cada vez mais organizados pelas facções do tráfico de drogas nos territórios), mas os interesses econômicos que orientam grandes projetos para a região.
“Em contrapartida, a Amazônia é território de uma efervescente mobilização de movimentos sociais, coletivos e organizações socioambientais que têm se tornado linha de frente das discussões envolvendo tanto a gestão territorial regional, quanto a agenda climática global”, diz a fundação.
“Essa mobilização envolve a valorização dos modelos de pensamento dos povos e comunidades, que constroem relações com o território e seus seres bastante distintas daquelas que guiam os setores responsáveis pelo iminente colapso climático”,
Crime organizado
No artigo Crime Organizado, os autores Aiala Colares Couto (professor e pesquisador na área de geografia da Universidade do Estado do Pará – UEPA) e Regine Schönenberg (Fundação Heinrich Böll) traçam as dinâmicas das facções criminosas na região amazônica.
Segundo eles, importantes rotas do tráfico de drogas passam pela Amazônia brasileira e controlar essas rotas e os mercados locais se tornou o objetivo das facções. Com a profissionalização do narcotráfico e sua relação com os crimes ambientais, a região vive um processo de interiorização da violência.
“Estudos apontam que, desde os anos de 1980, a bacia amazônica é utilizada pelo crime organizado. Na época, como um importante corredor para o escoamento de cocaína que entrava pelas fronteiras do Brasil com os países andinos, principalmente Bolívia, Colômbia e Peru, que até hoje se destacam como os maiores produtores de cocaína do mundo”, dizem os autores.
De acordo com Aiala e Regine, facções criminosas que antes atuavam na Região Sudeste passaram a ter mais presença na Amazônia, tais como, o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e o Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro.
Além disso, facções regionais passaram a se organizar na região instituindo relações de poder e controle dos territórios, a exemplo da Família do Norte (FDN) do Amazonas e Comando Classe A (CCA) do Pará, fazendo alianças e enfrentamento aos grupos faccionais não-regionais, algo que contribuiu de forma significativa para os conflitos violentos na Amazônia.
Segundo os autores, a relação entre o narcotráfico e os crimes ambientais se dá por meio de atividades ilegais como exploração ilegal de madeira, contrabando de minérios (manganês e cassiterita) e grilagem de terras.
Essas atividades vêm sendo financiadas pelo crime organizado nos últimos anos, principalmente como estratégia de lavagem de dinheiro.
“Em relação à ameaça aos territórios indígenas, destacam-se a expansão do garimpo ilegal do ouro e a invasão desses territórios por integrantes de facções criminosas, aliciando jovens indígenas e alterando o cotidiano das comunidades”, dizem os pesquisadores, que alertam para o alcance desse impacto.
“Também se enfatiza a aproximação a esses povos gerada pelos vários meios de transporte das drogas, seja via estradas próximas ou interligadas às Terras Indígenas, pelos rios que se conectam a elas ou pela utilização de aeronaves que pousam em pistas clandestinas construídas ilegalmente nas áreas protegidas.”
Nascido no quilombo de Menino Jesus de Pitimandeua, no município de Inhangapi, no Pará, o pesquisador Aiala diz que há uma dificuldade na ação do Estado no que diz respeito à agilidade do processo de intervenção no combate ao crime organizado.
“O crime organizado não passa por processos burocráticos para agir. A agilidade do crime organizado em suas múltiplas conexões acaba se sobrepondo às ações governamentais que dependem de recursos financeiros e da desburocratização por parte do governo”.
A fundação
A Fundação Heinrich Böll é uma organização política alemã presente em mais de 42 países. Promover diálogos pela democracia e garantir os direitos humanos; atuar em defesa da justiça socioambiental; defender os direitos das mulheres e se posicionar como antirracista são valores que impulsionam as ideias e ações da fundação.
No Brasil, a Fundação apoia projetos de diversas organizações da sociedade civil, organiza debates e produz publicações gratuitas. No campo da justiça socioambiental, busca fortalecer o debate público que alie a defesa do meio ambiente à garantia dos direitos dos povos do campo e da floresta. A fundação completa 25 anos de atuação no Brasil.