Cerâmica marajoara com representação do lago Arari e o aldeamento Maery (Foto: Museu Emílio Goeldi)
A História oficial conta que, após a expulsão dos franceses do Forte São Luís, Gaspar de Souza, Governador-geral do Brasil, enviou, em 1615, o capitão Português Francisco Caldeira Castelo Branco – exímio conhecedor da região – em uma expedição ao Norte da colônia portuguesa a fim de guarnecer o território contra invasões estrangeiras. Chegando aqui, fundara, na foz do igarapé do Piry, um fortim de madeira, posteriormente, dando origem ao povoado denominado Feliz Lusitânia, onde fora construída uma capela consagrada a padroeira Nossa Senhora de Belém. E, em 1616, com a construção do Forte do Presépio, em substituição ao fortim de madeira, ocorreu oficialmente a fundação de Belém do Pará.
Contudo, há uma parte da História pré-colonial pouco abordada acerca da civilização indígena consolidada séculos antes da chegada dos portugueses, que habitou o território onde hoje encontra-se o núcleo urbano da capital paraense. Mairi (ou Maery), como este aldeamento era denominado, foi um entreposto indígena com intensa movimentação de etnias em processo de migração entre as regiões do Marajó e do Baixo Amazonas. Estes povos nativos teriam se estabelecido no rio Guamá por volta do século V d.C.. Segundo um antigo relato do folclore marajoara, houve uma aldeamento primitivo, um cacicado, às margens do Lago Arari, no arquipélago do Marajó, também denominado Maery, que no seu auge, por volta de 400 d.C., teria atingido a incrível marca de 100 mil habitantes. O motivo do declínio deste aglomerado urbano, segundo estudos modernos, deu-se por uma diáspora gerada por catástrofe climática. Possivelmente, uma erupção vulcânica na região da Indonésia, nesse período, que ejetara na atmosfera milhões de toneladas de poeira, atingindo severamente as populações na faixa equatorial, como no atual Marajó, levando à ocorrência de chuva ácida e a morte de plantas e peixes. Isso teria ocasionado, portanto, a migração desses povos rumo ao litoral, quando parte deles estabeleceu-se na baía do Guajará. Do acontecimento, inclusive, poderia ter surgido a origem do nome Tupinambá a partir da expressão Tupã’mbae – coisa de Tupã – uma possível referência à catástrofe que pressionou os povos marajoaras a migrarem.
Devido às suas características de entreposto, o nome Mairi acabou entrando no léxico tupinambá como o significado de cidade, ou urbe, de maneira geral. Ou seja, Mairi era um aglomerado com atividades típicas de uma cidade da época, com feiras, oficinas e salga de peixes e carnes – um entreposto comercial. Este fato influenciou a escolha do local de desembarque por Castelo Branco para o seu primeiro contato com os povos nativos. O antigo e movimentado aldeamento, com a presença predominante das etnias Tupinambá e Pacajá, era comandado pelo cacique Guaimiaba – chamado por “Cabelo de velha” pelos colonizadores – e funcionou como uma federação de povos oriundos da Cultura Marajoara, com indígenas da região ou que aqui chegavam.
Manter relações de amizade e aliança com os grupos nativos dominantes passou a ser fundamental para os conquistadores europeus. Com a participação da mão de obra indígena formou-se a povoação no entorno do forte. Porém, dado modelo de exploração ao qual os indígenas foram submetidos, não demorou muito para que a relação se tornasse insustentável e, em 1619, estourasse a revolta dos Tupinambás chefiados pelo cacique Guaimiaba, aliados aos Pacajás, quando atacaram severamente o Forte do Presépio – hoje do Castelo – a fim de vingar o seu povo contra o regime de escravidão dos invasores de suas terras. Vencidas as lutas pelos portugueses, para sufocar o levante, Castelo Branco determinou a prisão e morte do líder indígena. Deste ponto em diante, a cidade adquire foros de sede de capitania e passa a ser denominada Nossa Senhora de Belém do Grão Pará.