Artistas e produtores culturais mostram que Belém é uma cidade cosmopolita e multicultural

Foto: Agência Belém

“Latinidade é a alegria de ser multicultural, é afeto, essa vontade de abraçar que a gente sente tanta falta nesta pandemia. A música paraense, por exemplo, tem essa latinidade que vem sendo referência para pesquisadores e DJs do mundo inteiro, muitos vieram até aqui para beber diretamente na fonte”, definiu a jornalista e produtora cultural, Luciana Medeiros, sobre o significado de latinidade.

Mundialmente, o Dia da Latinidade é lembrado em 15 de maio, mas no Brasil ganhou uma data à parte, 21 de abril, com a proposta de valorização da diversidade cultural do país. Com sua abrangência de cheiros, ritmos e expressões artísticas, a capital paraense é exemplo do multiculturalismo Amazônico.

De acordo com Luiz Arnaldo, relações internacionais da Prefeitura de Belém, a cidade é uma “metrópole na encruzilhada entre a Amazônia, o Caribe e a Europa. Belém é a segunda maior cidade da Pan-Amazônica, tem uma forte tradição libertária, do qual a Cabanagem é a grande expressão de luta”, explicou. Nesse sentido, Belém voltou a ser rota dos grandes eventos internacionais e em 2021 sediará o Fórum Social Pan-Amazônico (FOSPA). Luiz Arnaldo explica que a ampliação de laços de irmandade com outras cidades da América Latina, fortalece o intercâmbio cultural e o desenvolvimento econômico e turístico da cidade. Para ele, Belém é destinada a ter uma importância na América Latina e no mundo.

Do rock à guitarrada – Criadora do blog cultural “Holofote Virtual”, no ar desde 2008, a jornalista Luciana Medeiros diz que a cena cultural belenense é cosmopolita. “É uma cena rica, nas artes cênicas, audiovisual, literária etc. Transitamos pelas africanidades e cultura indígena, temos carimbó e guitarrada, além de diversas bandas de rockjazz e blues autorais. Temos technobrega e rap, choro e o samba, brega e boi”. 

Em 2008, ela também produziu a gravação do DVD “Mestre Vieira: 50 Anos de Guitarrada”. Como grande exemplo da expressão musical paraense, o Mestre Vieira, foi o criador da guitarrada e é motivo de orgulho e inspiração para as próximas gerações de artistas. 

Preciosidade dos ritmos locais – O empreendedor cultural Ná Figueredo também conhece esse cenário multicultural de perto.  Com o selo de gravadora, Ná Music já produziu mais de 80% dos artistas paraenses, a exemplo de Dona Onete e Manuel Cordeiro. Sabendo da importância da preciosidade dos ritmos locais, idealizou um projeto de regravação em vinil, dos grandes mestres paraenses, do carimbó e da guitarrada. 

“Este ano pintou essa ideia com o vinil. Vamos regravar com os grandes mestres da guitarrada e do Carimbó. Vale a pena retomar a história desses artistas e mostrar a importância deles para nossa cena local. O mestre Cupijó, por exemplo, foi o precursor do carimbó no Pará. Mas tem também o Mestre Curica, o Mestre Aldo Sena, o Mestre Vieira, o Verequete e muitos outros”, explicou. 

O amor pelas vitrolas – A ideia do Ná Figueredo de regravar grandes nomes paraenses em LP (Long Play), o vinil, não foi por acaso. Criado na década de 1940, o chamado “bolachão”, perpassou a era digital e ainda gera fascinação pelos apaixonados por música. A beleza da capa, a sonoridade robusta e a durabilidade do artefato fizeram com que, os artistas recomeçassem a gravar suas músicas em vinil. No Brasil, o Dia Nacional do Disco de Vinil é celebrado no dia 20 de abril, em homenagem ao compositor e cantor Ataulfo Alves, que faleceu neste dia em 1969. 

Filho do maestro Araújo Pinheiro, Alex Pinheiro desde criança ouvia os compactos dos seus irmãos mais velhos e foi se apaixonando pela música por meio do disco do vinil. Hoje é DJ com mais de 30 anos de carreira e apaixonando por rock underground e música alternativa. “Quando criança eu comecei a ouvir música na eletrola, ouvia aqueles discos compactos dos meus irmãos mais velhos que são DJs. Eu fiquei fascinado com a forma com que era usado o vinil, e a ideia de compartilhar com a pessoas, colocando para rodar e ao mesmo tempo fazer as pessoas dançarem. Nunca quis que essa música ficasse só para mim, eu queria compartilhar com as pessoas. Acho que essa é a função do DJ, de compartilhar”, recordou. 

Referência brasileira –  Quem também compartilha esse amor por discos do vinil é Leo Bitar. Em 2014, ele abriu a loja e o selo fonográfico Discosaoleo. Sua loja é uma grande referência brasileira, como um espaço cultural para apresentação de artistas paraenses locais e oportunidade de ouvir um bom vinil. Leo explica que a experiência de escutar vinil é diferente dos outros tipos de mídia, por isso, ele tornou-se um artefato tão especial na atualidade.  “O vinil atrai por ser um objeto grande, tem um apelo visual maior que o do CD, e o vinil tem aquela coisa que é diferente das outras plataformas digitais, quando tu vais ouvir um vinil, tu para pra ouvir o disco na sequência que o artista pensou as músicas. É uma imersão. É como você parar para ler um livro. No digital, as pessoas consomem música como playlist ou escutam como música ambiente e muitas vezes não param para ouvir o disco.”

Leo Bitar e o DJ Alex Pinheiro acreditam que a qualidade sonora analógica do disco de vinil é diferenciada, por isso, artistas paraenses cada vez mais desejam gravar em vinil. Mas Leo Bitar também lamenta que o item seja ainda muito caro, por causa de dificuldade de fabricação. “O disco atualmente custa em média 150 reais e não é todo mundo que pode pagar. Mas eu acredito que essa realidade está mudando, os discos estão começando a ser mais fabricados, mais procurados. Com a procura crescendo a cada ano, é provável que o preço diminua”. 

Resistindo às adversidades – Mesmo em um ano difícil para os artistas, com a impossibilidade de shows presenciais, os produtores paraenses acreditam que a cena local segue resistindo às adversidades.  “A cena paraense sempre foi muito forte e continua viva”, acredita Leo Bitar.

Luciana Medeiros também vê a cena local com entusiasmo e espera que a área cultural tenha mais incentivo do poder público. “A cena está ativa. Tem muito projeto em andamento, coisas sendo lançadas, eventos de cinema, música e teatro, entre outros, sendo realizados pelas plataformas digitais. Depois de um ano difícil, nesse processo de adaptação, houve amadurecimento, olhares foram ampliados nessa nova realidade do fazer cultural.” 

Do analógico às plataformas digitais, o governo da nossa gente tem um compromisso de incentivar as expressões culturais amazônicas, enquanto parte dessa latinidade. Como avalia o Luiz Arnaldo, “a ideia é fazer de Belém uma cidade amazônica, internacionalmente reconhecida como uma terra da liberdade, dos direitos humanos, da cultura, inteiramente comprometida com a construção de um mundo novo.”

Texto: Raissa Lennon

Por Agência Belém