Acordo prevê ampliar acervo de objetos de religiões afro-brasileiras

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

O ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, assinou nesta segunda-feira (20), no Rio de Janeiro, um convênio de pesquisa sobre objetos sagrados de religiões de matriz africana. O objetivo é conhecer melhor o acervo que tem 519 objetos apreendidos, como roupas, chapéus e atabaques, pela polícia do estado entre 1890 e 1946, e ampliar a coleção com a recuperação de outros artefatos.

O acordo prevê um intercâmbio de conhecimentos e de práticas técnico-científicas entre a Defensoria Pública da União e o Museu da República, que vão analisar mais de 300 inquéritos policiais do período.

“As batidas policiais aconteciam frequentemente durante as cerimônias religiosas. Mesmo depois dos sacerdotes e sacerdotisas soltos, os objetos sagrados permaneciam presos como prova documental de um crime. Que crime o povo de axé cometeu? É crime cultuar os orixás? Claro que não, mas por cultuar o sagrado, o povo de santo foi perseguido”, disse o diretor do Museu da República, Mário Chagas.

“Os objetos sagrados que foram guardados como prova de um crime que não existiu, hoje testemunham o crime, esse sim concreto, cometido pelo Estado contra as religiões de matriz afro-brasileira”, acrescentou.

Para o ministro Silvio Almeida, o acordo ajuda a aprofundar o processo de reparação histórica aos candomblecistas e umbandistas.

“Falar de perseguição às religiões de matriz africana, na verdade, é a gente falar de racismo. Naquilo que se classifica de racismo religioso. Essa discriminação sistemática contra pessoas que são de religiões africanas é porque estão relacionadas ao que representa ser negro no Brasil. É uma perseguição articulada pelas instituições jurídicas e políticas”, afirmou o ministro. “É muito importante nós conhecermos essa dimensão da memória, da verdade e da justiça como ponto de partida para que a gente mude a sociedade brasileira”, destacou.

Acervo

Em 1938, o então Serviço do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (SPHAN) tombou parte desse acervo, chamado de “Coleção Museu de Magia Negra”. Os objetos ficaram sob responsabilidade do Museu da Polícia Civil do Rio de Janeiro. Durante décadas, a comunidade pediu que as peças fossem transferidas para outro espaço, que fugisse da lógica de criminalização.

Uma campanha oficial foi criada em 2017, liderada pela Mãe Meninazinha de Oxum e uma das principais referências do candomblé, chamada de Liberte Nosso Sagrado, e teve o apoio de diferentes movimentos da sociedade civil.

O assunto chegou ao Ministério Público e à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). Depois de uma série de debates, foi assinado um termo de cessão e o acervo foi levado para o Museu da República, onde se encontra desde 21 de setembro de 2020.

Novo nome

O superintendente regional do Iphan no Rio, Paulo Vidal, informou que uma portaria será publicada nesta terça-feira (21) para mudar oficialmente o nome do acervo, que no livro de tombo etnográfico ainda consta como “Magia Negra”, e agora vai ser oficialmente reconhecido como “Nosso Sagrado”. Para quem lutou tanto tempo para proteger e repatriar os artefatos, o evento trouxe vitórias importantes.

“Muito feliz pelo nosso trabalho ter sido reconhecido. Do Nosso Sagrado ser reconhecido como sagrado. É o primeiro passo de muitas outras coisas. O caminho é muito grande, mas vamos chegar lá com a benção dos orixás”, celebrou Mãe Meninazinha de Oxum.

Catálogo Moda de Terreiro

O ministro Silvio de Almeida também participou do lançamento do catálogo impresso “Moda de Terreiro” no Museu da República. O projeto é coordenado por Mãe Meninazinha de Oxum, no Ilê Omolu Oxum, de São João de Meriti, na região metropolitana do Rio.

A publicação, de 40 páginas, reúne de vestimentas sagradas, que foram confeccionadas por mulheres do Ateliê Obirim Odara, do Ilê Omolu Oxum, coordenado por Mãe Nilce de Iansã. O catálogo é patrocinado pelo Fundo de Investimento Social (ELAS) e pela Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA Brasil).

As vestimentas fazem parte de uma tradição da Bahia, trazida por Iyá Davina (1880-1964), mãe de santo e avó materna de Mãe Meninazinha de Oxum, matriarca do Ilê Omolu Oxum.

O Ateliê Obirim Odara surgiu a partir do programa de combate à misoginia e à violência doméstica, do Ilê Omolu Oxum, que acolhe mulheres vítimas desses crimes.

Por Agência Brasil