Foto: Deutsche Press
A guerra na Ucrânia, em si, e a forma de apresentá-la à opinião pública, particularmente no ocidente, são mais do mesmo. Mas com novidades. Como é isso? Vou explicar…
Como já sabemos, em qualquer guerra, “a primeira vítima é a verdade”, afirmação mais remotamente atribuída ao dramaturgo grego Ésquilo(500 ac), o pai da tragédia.
Não queremos dizer com a constatação de que “é mais do mesmo” que os fatos não sejam relevantes e que não signifiquem mudanças relativas à ordem de poder. Queremos chamar a atenção para o fato de que se trata de eventual mudança entre os mesmos que exercem o poder sob a mesma lógica, diante do que somos meros expectadores subordinados aos interesses deles. Ou seja, quem quer que ganhe, não seremos nós.
Aliás, nem sequer estamos hoje em posição de defender nossos próprios interesses enquanto nação, além de obedecermos às determinações para esvaziar os Brics, articulação das nações emergentes. E, ainda tivemos a capacidade rara de nos indispor com o maior comprador de produtos brasileiros, a China. A galera de RI(Relações Internacionais) fica de cabelo em pé.
Portanto, o que aqui propomos é que olhemos para o mundo e o que está a acontecer, a partir de nossos próprios olhos e olhar, de nossa própria identidade e interesses. Precisamos superar a psiquê subconsciente de colonizados, endireitar a coluna, alinhar a venta, conhecer a história, ver a frente e pensar estrategicamente para agir.
Para começar, oficialmente existem guerras em 28 países hoje, 2022. Algumas em torno de interesses econômicos mais regionais e locais, outras em torno de interesses mais estratégicos de expressão global. Mas o que já se destaca é que em todas essas guerras há um único vencedor, a indústria bélica. E, nesta esteira, as indústrias de armas, de “segurança” e de outras dimensões do consumo da violência, crescem fortemente. As campanhas de armamento civil, os games, os filmes, os programas policiais de Tv vão, a revelia dos valores das famílias, criando um cada vez maior mercado consumidor de violência que fortalece a cultura neoliberal de culto ao mais forte, a ordem da imposição, justificando politicamente o uso da força como mediação social.
Como cultura, chega ao ponto de fazer o cidadão comum defender o armamento de todos e acreditar que, em caso de conflito, ele será o sobrevivente. Ora, só há uma chance de sobrevivermos no conflito, se ele não for violento, e para isso, que ninguém tenha arma alguma. Como disse, Maria Montessori, criadora do método Montessori de ensino, “a paz só será possível quando educarmos para a Solidariedade”.
Em países como a Ucrânia, Síria, Afeganistão, Iraque, as guerras de hoje têm o mesmo pano de fundo(ou de frente?) que na Venezuela, desestabilizada por não abrir mão de sua soberania sobre a maior reserva de petróleo do planeta que está em seu território. Soberania que o governo brasileiro abriu mão em 2017, permitindo a quebra do monopólio da Petrobras sobre o Pré Sal. Sim, somos a única grande nação do mundo, detentora da quarta maior reserva de petróleo, que abriu mão de controlá-la sem nenhuma intervenção militar externa, apenas política.
Atenção: Não estamos defendendo nenhum dos governos das nações citadas. Apenas demonstrando o padrão registrado por todos os autores da Ciência Política sobre a base desta atual ordem mundial unipolar, centrada nos EUA, que alguns já entendem agonizar, e aí que a guerra da Ucrânia traz alguns elementos novos.
Ordem mundial
Ordem Mundial, segundo o consenso na Ciência Política, quer dizer a estrutura hegemônica e a dinâmica, relativamente estável, dos fluxos de exercício de poder entre as nações, fluxos que articulam as dimensões econômicas, políticas, científicas e culturais da humanidade. Que se materializam em relações comerciais, jurídicas, diplomáticas e militares, podendo, como desde a antiguidade, envolver nações que se estabelecem como grandes potências, com suas áreas de influência, e disputas econômicas/territoriais entre os países.A guerra na Ucrânia, tem o mérito de explicitar, mais visivelmente, que a Ordem firmada a partir do início da década de noventa do século passado, quando os Estados Unidos se estabeleceram isoladamente como único protagonista mundial, sem maiores resistências, a partir da extinção da União Soviética, mudou. Pela primeira vez, os EUA são contrariados por um ator que não pode ser atropelado no campo militar, exigindo outras mediações, em outros campos da disputa, sabendo da possibilidade de insucesso.
A Rússia, mesmo longe de ser um exemplo de democracia e modelo de Estado, inaugura a possibilidade dos EUA serem questionados, inclusive no campo militar e econômico em suas iniciativas claramente imperiais em torno do controle de ativos econômicos de seu interesse unilateral, limitando um colonialismo baseado em um “globalismo absolutista ao serviço de uma casta acoitada em nichos de riqueza criados à custa de toda a humanidade”, como diria o analista internacional português, José Goulão.
Como já dissemos, quem quer que “vença”, não representará nenhum de nossos interesses. Esta guerra apenas nos ajuda entender, com extrema clareza, que todo o jogo se dá a partir de interesses econômicos que não estão mais sob lógica pública nacional, mas sob controle de mega corporações privadas transnacionais. Corporações que decidem quem financiar nas democracias formais, cujos processos eleitorais se reduzem a concursos de simpatia pessoal, sem qualquer reflexão social programática em torno de compromissos públicos a serem realizados. E assim controlam os parlamentos, governos e até judiciários.
Portanto, apesar de insistirem, não se trata de uma disputa entre pessoas. Não se trata de uma disputa entre Putin e Biden. Se trata de disputa de mega corporações em torno do controle dos ativos econômicos estratégicos. Os governos são apenas ferramentas a serviço de…Claro que há a possibilidade de um desses indivíduos terem um surto e provocarem algo fora da Ordem, seres humanos são assim, mas estes em questão, muito pouco provável. Cada passo, é determinado por centenas de operadores em centenas de frentes, construindo resultantes em busca da hegemonia. E errado é quem não se organiza assim…
Portanto, o que estamos vendo é a culminância de processos anteriores. Oito anos antes, os Estados Unidos, a Otan e a União Europeia influenciaram a política interna da Ucrânia, chegando a apoiar este regime sustentado publicamente por esquadrões da morte nazistas, mas em troca criaram uma base militar que, uma vez incorporada à Otan, se constituiria em grave ameaça à soberania Russa. Imaginem se, por exemplo, Rússia e China triangulassem um acordo com o México, financiando a infraestrutura do país em troca de instalar bases de satélites, como os americanos fizeram aqui com nossa base de Alcântara(MA), e ainda pudessem colocar algumas instalações militares na fronteira norte, pertinho do Vale do Silício(EUA). Portanto, não há espaço para maniqueísmo, a visão que a tudo reduz como uma simples luta entre o bem e o mal. Neste caso, do nosso ponto de vista, não tem nenhum mocinho neste filme. E nós, que até pouco tempo assistíamos a tudo da primeira fileira dos Brics, nem no cinema entramos.
Volodymyr Zelensky, ator e comediante, não é o único personagem curioso a ser manipulado neste cenário. O próprio Putin também cultua a estética fascista que se espalhou pelo mundo com figuras entre risíveis e calculadamente extravagantes para distrair a Sociedade do principal, como no Brasil e até com Trump nos EUA.
Zelensky foi produto da doutrina R2P, Responsability to Protect ou Responsabilidade de Proteger. Doutrina elaborada pelos Estados Unidos e a Otan para intervirem militarmente, promoverem golpes de Estado, com todas as implicações e consequências relacionadas, em países que supostamente não respeitam “as normas de conduta” estabelecidas nos fóruns internacionais, quase sempre sob a batuta americana, como a ONU. Quase sempre em nome da paz, da liberdade e da democracia.
Doutrina criada na administração norte-americana de Bill Clinton, sob coordenação da secretária de Estado Madeleine Albright, que assim construiu as condições para a guerra, absolutamente desigual, contra a Iugoslávia, incluindo o bombardeamento de Belgrado e daí a invasão do Kwayt, Afeganistão, Iraque, Libia, entre outros. E assim, o democrata Bill Clinton manteve sua habilidade em colocar os mais fracos de joelhos, a sua frente, e satisfazer os interesses que representa. Não sei por que isso me lembra Monica Lewinsk.
Outra lembrança inevitável é a da Doutrina Mann, dos anos 60, justificativa americana para apoiar a sucessão de golpes empresariais-militares na America Latina, principalmente no Brasil, Uruguai, Argentina e Chile, quase concomitantemente, em nome de combater um potente movimento comunista que nunca se comprovou, assim como até hoje se aguarda as provas das armas químicas de Sadam Hussein, que justificou para a opinião pública mundial a invasão do Iraque, deposição de Sadam e controle dos poços de petróleo.
Há registros de Biden, então vice de Obama, orgulhoso de ter contribuído para a expulsão do último presidente ucraniano eleito democraticamente, Poroshenko, aliado da Rússia. Sem a intervenção coordenada por Biden, Zelensky não se elegeria. Na sequência, Biden foi recompensado generosamente, tendo o filho Hunter Biden, com um importante cargo de administração numa das maiores empresas petrolíferas ucranianas. Precisa desenhar?
Não por acaso, nas eleições americanas, o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, acusado de ter sido beneficiado por Moscou nas eleições anteriores, telefonou ao presidente de plantão do regime da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, pedindo que mandasse investigar as atividades desenvolvidas na Ucrânia pelo ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, a quem acusava de expor os EUA promovendo o golpe de Estado que ajudou a montar em 2013/2014, a célebre Revolução Colorida da Praça Maidan em Kiev. Mas Biden já tinha selado sua aliança, de ouro, com Zelensky.
Sim, olha que coisa, tudo indica que Trump tinha combinações com Putin e Biden com Zelensky. Não há por que estranhar, como dissemos, o jogo não é entre nações e seus Estados, mas entre Corporações e seus operadores. O caso da Ucrânia, é perfeito como emblema do sistema instalado. Conjuga um pouco de tudo o que é corrupção dos valores, princípios e normas políticas elementares – e da ética humanista, naturalmente.
A Guerra da Ucrânia se dá dentro da Guerra Hegemônica permanente, a chamada “Nova Guerra Fria”. É razoável a possibilidade de estarmos assistindo o surgimento da era do multilateralismo das elites. As oligarquias russas estão a mostrar às oligarquias ocidentais que o caminho para o globalismo unilateral não é viável.
A posição da China, país que tem mantido uma cautela estratégica sobre os acontecimentos na Ucrânia, mas uma claríssima posição favorável ao multilateralismo, é de extrema importância neste cenário e merece uma análise mais detida.
Enfim, para nós, é preciso ficar claro que nada disto tem a ver com democracia, direitos humanos, o bem-estar das pessoas, o respeito pelo ambiente e o aproveitamento dos recursos naturais com fins que beneficiem a humanidade.
O que está em questão, no centro da disputa, é mais do mesmo, uma luta entre oligarquias e plutocracias por ativos econômicos estratégicos. A lógica da soma zero, um só ganha se o outro perder. E a tentativa de disfarçar interesses privados debaixo de ações de governos, instituições nacionais e internacionais, escondendo os verdadeiros sujeitos deste processo violento, conglomerados econômicos e financeiros.
Os seres humanos são meros instrumentos ou objetos, muitas vezes, descartáveis. Como diria José Goulão “é a sociopatia à solta, animada pela anarquia neoliberal que é determinante, mesmo onde não é oficialmente seguida” pois se estabeleceu como psiquê social que precisa de terapia.
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