A Natureza da Economia: Competição ou Cooperação – Por João Arroyo

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Por João Claudio Tupinambá Arroyo

A natureza da economia se revela em três aspectos originais de sua constituição enquanto atividade humana. Ou seja, a motivação fundamental dos agentes e sujeitos que a materializam está assentada majoritariamente: 1) sobre a razão ou sobre a emoção? 2) a referência de sua finalidade é o indivíduo ou o coletivo? E, 3) sua referência operacional se orienta pela cooperação ou pela competição?

Antes de seguir, no entanto, é preciso dizer que não se trata de escolhas exclusivas, uma coisa ou outra. Provavelmente há complementações e combinações entre razão e emoção, indivíduo e coletivo ou entre cooperação e competição. Por exemplo, para haver uma competição, antes os agentes precisam cooperar em torno das regras do jogo. Se não há regras, não é competição, é guerra, onde sempre, só ganha o mais forte. Mas não é disso que estamos falando, é?

Com relação ao primeiro aspecto, cresce o consenso de que a presunção da racionalidade como principal fator condutor do comportamento humano é o grande tijolo que alicerça toda a teoria econômica predominante, desdobrando-se como principal metodologia de análise sobre a cultura e a política, entre outras dimensões de nossa sociabilidade, destacando-se o trabalho, a produção, seus fluxos e dinâmicas, nosso cotidiano. No entanto, esta suposição não consegue explicar as crises.

A partir da “racionalidade dos agentes socioeconômicos” como pedra fundamental, sem dialogar com o ambiente teórico da complexidade, tem-se criado totens de certezas e desastres, na mesma proporção. Crises que despencam lá do alto e soterram a parte mais fragilizada da Sociedade. Como as crises se sucedem – 1929, a grande crise americana de superprodução; 1972, a grave crise do petróleo; e, 2008 a contagiante crise do subprime americano – ou o princípio da racionalidade dos agentes não resolve o problema de compreender as tendências da economia ou as crises são provocadas intencionalmente. O mais provável é que estas duas dimensões da questão se combinem. Os resultados são eloquentes.

De fato, os dados científicos sugerem esta combinação. Segundo a Agência de Desenvolvimento inglesa Oxfan, hoje apenas 8 pessoas possuem a riqueza equivalente a dos 3,6 bilhões mais pobres dos seres humanos. Desde 2015, o 0,1% mais rico da população mundial detém mais riqueza que o resto dos habitantes do planeta Terra. Sim, a cada crise, mais a riqueza se concentra nas mãos de cada vez menos abastados. Opa, algo deu errado. Se considerarmos que o poder econômico também se converte em poder político, a própria liberdade, e a democracia, estão ameaçadas não restando nenhuma justificativa racional, científica ou filosófica moderna que sustente e justifique eticamente, como ideal, esta situação.

Thomas Piketty, consagrado como um dos economistas mais influentes de sua geração defende: “Proponho um imposto sobre grandes fortunas que permita dar 120.000 euros a todo mundo aos 25 anos”, isto é possível. Em O Capital no Século XXI, o francês revelou a chocante magnitude da concentração de renda no mundo, disseca os paradoxos da desigualdade e aposta em um socialismo participativo. Até hoje, não surgiu nenhuma contestação científica aos dados de Piketty.
Portanto, com certeza, a racionalidade não explica termos chegado a este estado de coisas. Cresce o número de autores que constatam que hoje vemos o discurso acima da teoria, ou seja, acima da demonstração prática das evidências do mundo percebido como real. A significativa adesão ao terraplanismo e outros proselitismos absurdos revelam a possibilidade de produzir “verdade” sob propriedade de interesses particulares, manipulando a subjetividade das pessoas. Mais uma vez, é a ciência que nos socorre, mas na perspectiva de entender o que, além da razão, conduz o comportamento humano. Criteriosamente, para que não estabeleça pré conceitos.

E, de fato, é a ciência que, a partir da matriz teórica da complexidade da realidade, articula de maneira transdisciplinar importantes campos do conhecimento, para explicar que nós, seres humanos, somos seres biopsicossociais. Ao mesmo tempo somos seres biológicos, sociais e psicológicos. Como ser biológico somos corpo e cabeça, mecânica e química, somos um animal com instintos, potencialidades e limitações orgânicas. Como ser social somos identidade, história, tradição, costumes, linguagem, somos cultura e rotina, somos o que aprendemos com nossas experiências e vivências com os outros e com o ambiente. Como ser psicológico somos inteligência, emoção e razão, consciente e inconsciente, sentimentos, prazer e dor, traumas, obsessões, psicoses em diversos graus, desde os imperceptíveis…

O consenso de que o comportamento humano é a resultante destas 3 dimensões do que somos, é cada vez maior. Por isso, a própria história é contraditória e somos, como Sociedade, espelho de nossas médias. Médias entre os projetos e as ações que disputam como deve ser a Sociedade. A maioria nem se dá conta desta disputa…

O “marketing” já descobriu isso e não se dirige a racionalidade como principal interlocutor. Dialoga muito mais com a emoção e com os traços comportamentais coletivos considerando, por exemplo, até o novo enfrentamento que mulheres e negros construíram para curar o trauma coletivo da misoginia e do racismo, respectivamente, criando linguagem, imagens e, obviamente, produtos, para sintonizar com esta nova tendência de comportamento. “Ofereça carros grandes a pessoas de baixa estatura”, está nos manuais de venda.

Então, portanto, as decisões econômicas, de investir, produzir e consumir muitas vezes são orientadas majoritariamente pela emoção e/ou algum determinante psicológico.

O segundo aspecto, relativo à finalidade da economia, se melhorar o indívíduo ou o coletivo, a Sociedade, veio à tona no filme Uma Mente Brilhante, estrelado por Russell Crowe, que interpretou o matemático, prêmio Nobel de Economia, John Nash, que a partir da Teoria dos Jogos, demonstrou que as melhores soluções são produto das negociações coletivas, contrariando o princípio liberal do individualismo tal como enunciado por Adam Smith no século XVIII.

Smith, defendia o individualismo como princípio natural da economia. Dizia que, mesmo sem saberem, mercadores e produtores na luta diária pelo lucro e melhorias para si, estavam contribuindo para que a Sociedade, como um todo, também alcançasse o melhor para ela.

Para não cometer injustiça, é preciso contextualizar historicamente. O Liberalismo se constituiu em movimento revolucionário contra o Estado absolutista, bradando em sua revolução burguesa mais conhecida, a francesa, seus valores mais caros, Liberdade, Igualdade e Fraternidade, que o Estado Absolutista massacrava. Os indivíduos não eram respeitados nem no que possuíam ou faziam, então a afirmação e fortalecimento do indivíduo frente ao Estado era fundamental para a agenda contra o Absolutismo, no entanto, rendeu distorções que levaram ao quadro de desigualdade econômica que temos hoje.

Curiosamente, nossos estudos vêm demonstrando que o Capitalismo tal qual se implantou como prática cotidiana, se afasta cada vez mais das referências liberais da Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Substituindo elites monarquistas por novas elites também opressoras da Igualdade e da fraternidade, fazendo da Liberdade um escárnio dos abastados sobre os novos escravizados, agora pelo grilhão do salário. Os escandalosos dados da concentração de renda e poder, bem como das desigualdades sociais no mundo, demonstram que podemos já estar vivendo o Capitalismo Absolutista.

Pesquisadores da psicologia social, como Laval e Dardot, a partir das considerações de Foucault, identificam e demonstram que o neoliberalismo ressignificou a Sociedade humana reduzindo-a quase que exclusivamente a sua dimensão mercado. Tornou os indivíduos empresas de si mesmo que se realizam no estranhamento do outro pela competição e pela produtividade, não como obrigação, mas como dever. E, lotam os consultórios psiquiátricos e as redes sociais de manifestações explicitas de depressão, pânico e obsessão.

Portanto, a natureza da finalidade da economia é a Sociedade, ao contrário do que anunciou Smith, se a Sociedade eleva a qualidade de vida como um todo, também melhorará a dos indivíduos. Bem mais lógico, não?

Por fim, o terceiro aspecto sobre a base operacional da economia, que diz respeito a geração de riqueza. O que está na origem da economia, majoritariamente, a cooperação ou a competição?

O historiador israelense Yuval Harari, faz um mergulho antropológico em seu livro Sapiens(2011) e concluiu que, o que tornou o frágil homo sapiens(nós) viável como espécie, frente a predadores e concorrentes como o neandertal, muito mais forte e ágil, foi exatamente o que ele chamou de Revolução Cognitiva que tornou os humanos capazes de criar a linguagem e com isso a cooperação a partir do trabalho, criando condições de se organizarem em comunidades muito maiores que as outras espécies, gerando assim melhores condições de defesa e sobrevivência. Ou seja, na origem da humanidade, a base natural da economia é a cooperação coletiva, e não a competição individualista.

Portanto, a natureza da Economia é determinada pelo comportamento de um ser biopsicossocial, e não apenas racional. Sua inteligência finalística é o desenvolvimento e a melhor qualidade de vida da Sociedade para os indivíduos e não o contrário. E, o motor de sua operação no cotidiano é a cooperação, e não a competição. Qualquer um sabe que ninguém faz nada só e que no topo das cadeias, os grandes grupos empresariais, se fundem e criam oligopólios e monopólios exatamente para superar a condição de concorrência.

Em qualquer livro de economia se encontra que a origem do termo Economia está na palavra grega “OIKOS” que significa casa, e “NOMIA” que significa funcionamento ou ordem. Então significa cuidar do funcionamento da casa que implica no ambiente, nos processos, e nas relações e as pessoas, como elas são, e como que se estabelecem as rotinas que resolvem o funcionamento da casa, da família. Só que não reconhecemos que o Mundo é a nossa casa e a destruímos com as pessoas dentro, que se estão na nossa casa, deveriam ter algum significado especial. Por que não é assim?

A distorção da natureza da economia está em como, a partir de um certo momento, passamos a ser educados. Mas não é a educação da escola. É a educação do convívio humano, fonte de todo o saber. Provavelmente na transição da Sociedade Primitiva para a Escravista, novos valores passaram a ser ensinados em conversas e exemplos, valores que fizessem os seres humanos a aprender suportar uma Sociedade que precisava escravizar seres humanos para se sustentar. De lá para cá, muitas formas, idas e vindas, muitas dores e lutas. Mas também a certeza de que é possível mudar. É preciso mudar. E pode começar já. Topa?

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