Três Paulos, um Jaime, um Jorge e uma história inédita

Por Tito Barata

Com a partida do Paulo Chaves, a vida inteligente no Pará vai minguando. E não é a conta-gotas, não.

Partiu o Jaime Bibas, grande parceiro que idealizou com o Paulo Chaves as obras que mudaram a cara de Belém.

Foi-se o Paulo Cal, que esteve com Paulo na equipe que projetou o Tribunal de Contas no início da carreira, além de — com ele — colocar a turma pra dançar na psicodélica “Papa Jimmy”, boate estilosa que reunia os estilosos de Belém, no final dos anos 1960. P. Cal foi estudar em Paris. Preferiu se dedicar ao urbanismo — sem, contudo, deixar de aprender o que o parisiense faz de melhor: flanar. Retornou a Belém e se dedicou à cátedra na UFPA, integrando ainda as equipes de Fernando Coutinho Jorge e Sahid Xerfan na prefeitura de Belém.

Antes, já havia zarpado outro querido e bom amigo: Jorge Valle, o Jorgito. Trabalhou na equipe de Oscar Niemeyer na Europa e pertenceu à mesma geração de arquitetos dos dois Paulos e do Bibas. Morou grande parte da vida no Rio de Janeiro. Ambos se formaram nas primeiras turmas de arquitetura do Pará.

Havia ainda um outro Paulo arquiteto, que era da mesma geração — e também partiu cedo: o Martins. Esse decidiu projetar pratos deliciosos da gastronomia paraense que ganharam destaque internacional.

Foram três Paulos, um Jaime e um Jorge. Geniais personagens de Belém, que partiram e deixaram suas marcas na cidade.

Mas foi o Paulo Chaves, com seu ímpeto, talento e veia política à flor da pele, quem arregaçou as mangas pra se jogar de corpo e alma no projeto político de oposição no Pará, capitaneado pelo então médico e senador Almir Gabriel, na década de 1990. A missão: enfrentar o coronel e também senador Jarbas Passarinho, um dos maiores símbolos e representantes da ditadura militar brasileira, nas eleições de 1994.

Tal qual o exército de Brancaleone, Paulo reuniu uma turma, na qual me incluo, para fazer uma espécie de campanha paralela, voltada para a classe média, cujo objetivo era fustigar a figura do coronel — com humor cáustico —, sem deixar de informar aos mais jovens e relembrar aos mais velhos que o coronel jogou “às favas os escrúpulos de consciência” e assinou o AI-5, o mais infame Ato produzido pelo governo militar.

Era preciso arranjar um bom apelido pejorativo para o coronel Passarinho. Ao perscrutar e pesquisar a fauna plumária brasileira do norte, encontrou-se, digamos assim, um pássaro “mau caráter”, que, entre outras peripécias do “mal”, para sobreviver, saqueia os ninhos de outros pássaros e tenta se passar, com seu canto, por outras espécies — um pássaro dissimulado.

É o xexéu ou japiim. A sonoridade da palavra xexéu caía como uma luva. Coronel Xexéu seria a alcunha de Passarinho na campanha.

Montamos a “Ordem da Baladeira”, em alusão à “Ordem da Chinela”, usada na campanha de 1956, contra o caudilho Magalhães Barata, cujo refrão era: “Ô Barata, pega na chinela e mata!”

Toda o design e o projeto gráfico, com os slogans e desenhos do coronel Xexéu (um pássaro fardado com quepe e estrelas no peito, riscado com um imenso xis de cancelamento no meio, e o slogan “Xô, Xexéu!”), ficaram por conta do grande Jaime Bibas.

Mas era preciso imprimir cartazes e adesivos; gravar o jingle; fazer camisetas e tudo mais o que uma campanha profissional requer.

Faltava o financiamento.

Agora que os principais personagens já partiram — e quase 30 anos depois — pode-se contar o milagre e o santo. Tudo foi bancado e financiado pelo então prefeito de Belém, Hélio Mota Gueiros.

Deu pra fazer tudo, inclusive uma passeata na Praça da República, com o carro-som rodando nas alturas o jingle certeiro, cujo refrão diz: “É bala, é bala, é baladeira, pra cumprir o seu papel/ bala, bala, baladeira, na rabada do Xexéu”.

Enfim. A “Ordem da Baladeira” disse a que veio. Ajudou a remover o chamado “entulho autoritário”. Foi uma grande festa democrática. Passarinho foi derrotado no segundo turno e se mandou pra Brasília, de onde não mais retornaria ao Pará. Paulo Chaves estava de alma lavada. Fora usado por Passarinho quando era apenas um rapazola de 17 anos, no episódio que ficou conhecido como a invasão dos “lenços brancos” na Faculdade de Odontologia, durante o SLARDES, em 30 de março de 1964.

Passarinho nunca conseguiu governar o Pará pelo voto direto. Foi apenas interventor nos primeiros meses do golpe de 1964, que apeou o governador constitucional Aurélio Corrêa do Carmo.

Passada a refrega eleitoral, era hora do governador eleito pensar no governo. Paulo Chaves, com seu enorme talento de arquiteto e amigo íntimo do Almir, assumiu o cargo de secretário quase-vitalício da Cultura e das Grandes Obras de Belém — ratificado nos três governos posteriores de Simão Jatene.

Mudou a cara da cidade.

Claro que com uma baita equipe competente que conseguiu reunir em torno de si e sob o seu comando. Os turistas que chegam a Belém são imediatamente levados a conhecer o “Circuito Paulo Chaves”, ou seja, uma visita às obras de restauração e inovação que comandou e realizou em Belém.

Nos falamos algum tempo atrás. Eu pretendia gravar com ele uma entrevista para o “Papo no Tucupi”, programa que reúne depoimentos para o canal Conexão Belém do Pará, na internet.

Me disse:

— Tito, eu sei que tu gostas de boas entrevistas, mas, no momento, não estou legal pra falar nem me manifestar com entusiasmo. Vamos deixar pra daqui a um tempo.

Nos falamos outra vez, e percebi que ele não estava bem. Algumas dificuldades com o Parkinson. E como o bom amigo deve ser, não voltei a tocar no assunto.

Pena que não conseguimos a entrevista para o balanço de seus vinte anos à frente da Cultura e outra histórias. Mas a sua obra está aí para todos verem. Fizemos alguns projetos e produtos culturais juntos. Rara sensibilidade e um bom gosto extremo eram suas marcas.

Perdemos todos com a partida de Paulo Roberto Chaves Fernandes — e sem pieguices ou emoções passageiras, Paulo merece uma estátua, de corpo e alma, na parte da cidade que ele mais gostava: o seu núcleo inaugural.

Bem ali na Praça Frei Caetano Brandão, antigo Largo da Sé, onde estão a Catedral, a Igreja de Santo Alexandre, a Casa das 11 Janelas e o Forte do Presépio.

Vá em paz, my friend.

Você fez um bom serviço e, por certo, será escalado para os próximos jogos na imensidão do Universo.

Tito Barata é jornalista.