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Por Beatriz Manarte, Revista Bacana
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do IBGE, 56,10% da população brasileira se declara negra. Ainda que a maioria no país, são os que tem a maior taxa de analfabetismo, os menores salários, os que sofrem mais com a violência e o desemprego. E quando o assunto é racismo, ainda existe um divisor de águas entre ideias: uns acreditam que a discriminação racial existe e outros que ele não é mais uma realidade no país.
“(…) O racismo tem um contexto histórico e político de sistematização que surgiu a partir de uma intencionalidade. As populações humanas têm nas suas origens termos e formas de classificar o outro que não faz parte de sua população. Todos nós temos uma noção de diferença, mas o nível de sofisticação e suas consequências para a população mundial só podem ser medidas a partir desta definição europeia e o seu uso social, político e ideológico. O racismo não é natural, ele é fruto de construções históricas, políticas e econômicas. O racismo é conveniente ao sistema de dominação capitalista. Qualquer construção racista repousa na questão das diferenças reais ou imaginárias (invenções) entre os seres humanos e suas formas de dominação”, explica a professora antropóloga e Coordenadora do Projeto de Extensão Ações Educativas contra o Machismo, Pobreza e Racismo na Sociedade da UFPA, Marilu Campelo.
Em 13 de maio de 1988, a escravidão foi oficialmente abolida, o que tornou o Brasil o último país do Ocidente a abolir a escravidão. A Militante do Movimento Negro, Wellingta Macêdo conta que a escravidão ainda existe no Brasil e que apenas mudou de nome.”(..) Historicamente, o povo negro foi marginalizado pela política racista do Estado e hoje, passados 132 anos da Abolição da Escravatura, fruto da luta negra e não uma benesse da Princesa Isabel, outras formas de “escravidão” surgiram em consequência da opressão e exploração capitalista. O Trabalho Escravo e o Trabalho Doméstico, sobretudo explorando mulheres negras pobres, são exemplos dessa “Nova Escravidão”, diz.
Para servidora pública aposentada de 56 anos, MARY ROCHA, o racismo está enraizado na sociedade. “(…) Assim, já fui vítima de discriminação racial sempre em situações que me colocam em lugar diferente daquele que eu ocupo. Por exemplo, sempre que estou varrendo o pátio da minha casa alguém desconhecido chega, imediatamente perco a condição de proprietária e passo a ser a empregada doméstica. Logo alguém fala: – quero falar com a sua patroa! Sabe por quê? Porque o lugar reservado para uma mulher negra no bairro em que eu moro é o da empregada e não o da patroa, não o da dona da casa. Espera-se que a mulher negra more na periferia, pois é este o lugar que a estrutura de uma sociedade racista acha que ela deve ocupar e isso, infelizmente, ainda é uma realidade”, relata.
Segundo a professora Marilu Campelo discutir sobre o racismo é essencial na educação. ” Se faz necessário, com certa urgência, debater os efeitos do racismo em nossa sociedade que é pluriétnica e multicultural. O racismo mata, violenta o sujeito cotidianamente. É muito confortável para a sociedade brasileira dizer que é uma grande democracia racial mas ela não comove com as desigualdades originadas pelo racismo. A sociedade, não se comove com o alto índice de mortalidade da juventude negra, não se comove com o lugar de subalterno que foi dado a população negra na formação da sociedade brasileira e que essa população paga um preço muito alto até hoje com os efeitos do racismo estrutural e institucional até hoje. A ideia que se tem é que o racismo é um problema individual. Não é, é um problema do coletivo, da sociedade brasileira que não vai conseguir resolver achando que não debater o problema, ele se acaba”, orienta a professora.
Com os últimos acontecimentos no mundo, falar sobre o racismo é importante nesse momento em que o mundo se encontra. “O debate é sempre positivo, pois permite que as pessoas se informem sobre o tema, e assim possam conhecer o problema. Conhecendo as questões elas se tornam empáticas e a tendência é que comecem a mudar de atitude (…) Embora os debates das últimas semanas tenham sido pautados pelo triste e revoltante episódio da morte de George Floyd, nos EUA, isso permitiu um grande debate sobre o racismo institucional no Brasil, com destaque para o extermínio da população negra. Não se trata de opinião, de achismo, são dados estatísticos. De acordo com o atlas da violência de 2019, 75% das vítimas de assassinato em 2017 eram indivíduos negro”, ressalta Mary Rocha.
Para diminuir índices como os que a servidora pública aposentada disse, hoje o movimento negro luta por respeito, pelos seus direitos, por políticas públicas destinadas a maior presença do negro no mercado de trabalho e nos campos educacionais. “A importância é total. E histórica. O Movimento Negro nasce desde o período da Escravidão, com a organização dos Quilombos, como o de Palmares, liderado por Dandara e Zumbi, que uniu todos os oprimidos daquela sociedade escravocrata. Nasce também das revoltas populares que Negros e outros setores organizaram para lutar contra a Escravidão e por liberdade, como a Cabanagem, a Revolta dos Malês, a Balaiada. O Movimento Negro Unificado (MNU), foi importantíssimo para que várias conquistas no combate ao Racismo no Brasil, fossem efetuadas como a criminalização do Racismo (Lei Caô). O Movimento Negro hoje, composto por vários coletivos, organizações e ativistas, é necessário e vital para a luta contra o Racismo, como o Movimento Black Lives Matters (Vidas Negras Importam), que puxaram os protestos antirracistas nos EUA. Não somos uma escória maldita. Escória maldita, é a escória dos Racistas e seus cúmplices, no Brasil e no mundo. Mas eles não passarão!”, detalha a ativista.
Não é hoje que a discriminação racial vai acabar, mas com essa união de milhares de pessoas que está se formando com o racismo, certamente, um dia, irá abolir esse racismo estrutural no mundo. “Não há como se enfrentar o racismo no Brasil sem que as pessoas se reconheçam racistas. (…) Por isso, procurem conhecer a história, ouvir mais pessoas negras, entender e reconhecer que o racismo não é um problema das pessoas negras, que não é mi mi mi; que é um grave problema estrutural do país e que precisa ser reparado, e para isso é imprescindível que os brancos também se responsabilizem com a causa; repudiem as práticas racistas e, sobretudo, adotem práticas antirracistas. Tá em alta (que bom), mas nunca é demais repetir a frase de da ativista e escritora Ângela Davis: “não basta não ser racista é preciso ser antirracista”, finaliza Mary Rocha.