Sobre cura, crendices e riso: espetáculo de comédia faz temporada ribeirinha por ilhas de Belém

Foto: Divulgação

Inspirado na sabedoria ancestral das ervas e rezas da Amazônia, o espetáculo “Quem procura Cura” mostra as trapalhadas da curandeira Darcy e leva para comunidades da floresta temporada gratuita a partir desta sexta-feira, 21

Reza com ervas para curar quebranto, brocação de copaíba e mel direto na garganta para sarar a inflamação, banho de folhas para abrir caminhos. Remédios para o corpo e para a alma. A Amazônia tem um jeito muito próprio de cuidar, nascido da sabedoria ancestral dos povos da floresta que mistura a potência da flora e fauna, com as encantarias caboclas. A atriz e pesquisadora Ana Marceliano convida o público a entrar nesse universo com o espetáculo “Quem procura Cura”. Um mergulho que vai navegar por territórios ribeirinhos de Belém em uma temporada que estreia nesta sexta-feira (21), no Ver-o-Peso e em Outeiro, e, no sábado, chega ao Combu. A entrada é franca.

Com a linguagem cheia de humor ácido da bufonaria, o solo autoral nos apresenta Darcy, a dita “charlatona”; sua mãe, feiticeira; e sua avó, a cobra. Em seu “Consultório de psicologia popular de rua”, a bufa Darcy faz consultas e atendimentos duvidosos, de ordem espiritual, psíquica, material e motivacional. É de forma cômica que se revela ao público com a promessa de cura para todos os males.

Quando o atendimento é mais complicado e exige magia mais poderosa, Darcy recorre ao auxílio de sua mãe. Para isso, retira da sacola que carrega consigo uma máscara e a veste, dando vida diante dos olhos do público a este novo ser que é sua própria mãe. A mãe é uma anciã curandeira, conhecedora do poder das ervas e feitiços caboclos, que, assim como Darcy, realiza curas e atendimentos de forma atabalhoada, com humor. Se ainda assim o caso do espectador não for solucionado pela mãe, Darcy recorre ao auxílio de um outro ser que também carrega em sua sacola, a sua avó, que é uma cobra coral, chamada Honorata, criatura que um dia já fora humana, mas hoje é encantada em forma de cobra e traz consigo mistérios e saberes mais antigos e poderosos.

“A personagem é uma mulher curandeira atrapalhada, ela tem boas intenções mas se atrapalha em passar o remédio, até porque o saber dela não é muito valorizado e ela acaba esquecendo. O espetáculo trata desse conflito, o apagamento desses saberes e ao mesmo tempo essa resistência em praticá-los apesar do descrédito que se cria sobre estas práticas”, diz Ana, que há quase dez anos desenvolve trabalhos a partir da linguagem da bufonaria.

Selecionado pelo “Edital Lei Paulo Gustavo”, o ato poético “Quem Procura Cura” faz parte da pesquisa de mestrado “Atos Performativos De Cura – Memória, Riso e Subjetivações Cabocla em Belém do Pará”, da Universidade Federal do Pará. Além de Ana Marceliano na atuação, a peça traz acompanhamento poético de Wlad Lima, orientação de pesquisa de Ivone Amorim, visualidade de Aníbal Pacha, produção de Tainah Fagundes, e Ruber Sarmento, assistente de produção e cenotecnia.

A pesquisa investiga as experiências de Ana com as curas amazônidas advindas da relação com as mulheres da sua família. “Durante a infância, conheci algumas dessas curas pelas mãos delas, como um remédio caseiro pra curar a garganta, ou um benzimento com folhas daquela vizinha da rua que tirava quebranto. Nada muito diferente do que boa parte dos paraenses já vivenciou e ainda vivencia. Estas memórias de infância com certeza alimentam o processo criativo desta obra”, diz a atriz, nascida em Belém e com uma infância vivida em Alenquer, região do Baixo Tapajós.

A obra destaca a importância de manter vivas as práticas ancestrais de cuidado, como meio de validar os saberes caboclos, sua cultura e sua maneira de ver o mundo. “Acreditamos que o remédio da farmácia é sempre melhor que um natural, porque essa ideia nos foi vendida e nós estamos há tempos acreditando nesse tipo de coisa. A dominação de um povo sobre outro acontece assim. Mas, não me entenda mal, eu não estou dizendo que o remédio da farmácia não é bom. O que estou dizendo é que este o sistema de saúde pode e deve cada vez mais valorizar os saberes ancestrais de cuidado que temos na região, as parteiras, rezadeiras, erveiras, mães de santo, são figuras fundamentais e que amparam suas comunidades até mesmo quando o sistema público não consegue fazê-lo”, diz a artista.

Serviço:

Temporada ribeirinha do espetáculo “Quem procura Cura”:

Dia 21 de junho (sexta)

Local : Mercado do Ver-o-Peso

Hora : 16h

Gratuito

Dia 21 de junho (sexta)

Local : Outeiro – Fundação Escola Bosque

Hora : 20h

Gratuito

Dia 22 de junho (sábado)

Local : Combu – Centro Comunitário de Piriquitaquara

Hora : 10h
Gratuito