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Morte de liderança expõe clima de terror em Barcarena

Morte de liderança expõe clima de terror em Barcarena

Belém (PA) – A Polícia Civil do Pará ainda não tem pistas dos autores da morte a tiros da liderança Paulo Sérgio Almeida Nascimento, segundo-tesoureiro da Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia (Cainquiama). O crime aconteceu na madrugada desta segunda-feira (12) no Ramal Fazendinha, zona rural do município de Barcarena, a 40 quilômetros de distância de Belém.

A morte de Paulo Sérgio é a segunda de uma liderança da Cainqueama nos últimos três meses e expõe o clima de medo e terror dos integrantes da associação. Em 22 de dezembro foi assassinado Fernando Pereira, também a tiros, em Barcarena. Desde 2015, as lideranças denunciam crimes ambientais das mineradoras e conflitos fundiários na região.

Nas últimas semanas, as denúncias se intensificaram contra a refinaria Hydro Alunorte, que é investigada por acusação de poluir mananciais com rejeitos químicos na região. A empresa emitiu uma nota à imprensa na qual “repudia qualquer tipo de associação entre suas atividades e ações contra moradores e comunidades de Barcarena.”

Segundo o Ministério Público do Estado do Pará, várias lideranças da Cainquiama denunciaram ao órgão, em janeiro deste ano, que sofrem ameaças e estão marcadas para morrer por causa das manifestações que fazem contra as mineradoras da região. Os autores das ameaças são policiais militares. Em fevereiro, o promotor de Justiça Militar Armando Brasil pediu à Secretaria de Segurança Pública (Segup) garantia de vida às lideranças, mas a secretaria não atendeu à solicitação.

À agência Amazônia Real, a vice-presidente da Cainqueama, Clea do Couto Melo, contou que Paulo Sérgio era uma liderança envolvida nas manifestações contra os impactos socioambientais em Barcarena desde 2015, quando foi criada a associação. O nome dele não constava na lista de pessoas ameaçadas, mas ele fazia muitos cartazes e faixas dos protestos. “Ele era um homem de luta, muito envolvido nas manifestações. Deixou a esposa e um filho de 12 anos”, disse Clea.

Em coletiva à imprensa em Belém, a Segup respondeu ao Ministério Público sobre a garantia de vida às lideranças dizendo que, de acordo com a Lei 8.444, de 06 de dezembro de 2017, pedidos de proteção a pessoas ameaçadas devem ser encaminhados à Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh).

Paulo Sérgio Almeida Nascimento, 47 anos, foi assassinado por volta de 3h30 desta segunda-feira (12). Ele estava em casa dormindo, mas acordou para ir ao banheiro, que fica fora da residência. No caminho foi alvejado sem chance de defesa. Os criminosos fugiram para uma mata, localizada aos fundos da casa.

As polícias Civil e Militar de Barcarena e Abaetetuba foram acionadas para tentar identificar o autor dos tiros, mas não tiverem sucesso nas buscas. O corpo de Paulo Sérgio foi enviado ao Instituto Médico Legal de Abaetetuba, que o liberou nesta noite para o sepultamento, que deve acontecer em Bragança, cidade natal da liderança.

O delegado Augusto Potiguar,titular da Delegacia de Vila Cabanos, abriu inquérito para investigar a morte de Paulo Sérgio, mas não foi localizado pela reportagem para dar esclarecimentos sobre a investigação. Procurada, a assessoria de imprensa da Polícia Civil disse que não há uma linha de investigação ou suspeita para a morte da liderança. “Testemunhas contam que a vítima passou a noite anterior em um balneário da região e em seguida foi para casa”, disse a assessoria.

O crime de Paulo Sérgio assemelha-se as mortes de muitas lideranças da Amazônia pelo fato do autor dos disparos dos tiros estar de tocaia, escondido esperando a vítima. Em 1988, o ambientalista Chico Mendes foi assassinado quando saiu de casa para ir ao banheiro, que também ficava do lado de fora da residência, no Acre. Ele foi morto sem chance de defesa.

O advogado da Cainquiama, Ismael Moraes, afirmou que vai pedir a federalização da investigação da morte de Paulo Sérgio à Procuradoria Geral da República. “O Governo do Estado do Pará está acobertando as milícias que estão ameaçando os líderes da Associação Cainqueama. Isso não pode continuar”, garante.

A federalização dos crimes contra os direitos humanos integra a Emenda Constitucional 45/2004 e consiste na possibilidade de transferência de casos da Justiça comum para a Justiça Federal, quando configurada grave violação aos direitos humanos.

Barcarena, Pará – Impacto ambiental de obras na Amazônia, bacia de rejeitos da Albras, controlada pela Norsk Hydro. (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)

O caso Hydro Alunorte
As lideranças da Cainquiama intensificaram as manifestações nas ruas desde 17 de fevereiro, quando acusaram a refinaria Hydro Alunorte de um novo desastre ambiental em Barcarena. Segundo laudo do Instituto Evandro Chagas (IEC), houve um vazamento da bacia de rejeitos do Depósito de Resíduos Sólidos (DRS-2) que poluiu os mananciais e poços artesianos das comunidades ribeirinhas. A empresa nega o acidente ambiental.

A Justiça determinou a redução da produção da planta industrial em 50% para evitar um novo vazamento de rejeitos químicos. O Ibama embargou o depósito DRS-2 e a tubulação de drenagem de efluentes da área industrial da refinaria, além de multar a Hydro em R$ 20 milhões.

Ângela Maria Vieira, presidente do Conselho Fiscal da Cainquiama, disse que se sente constantemente ameaçada devido às manifestações que participa contra a empresa Hydro. Depois das denúncia de crime ambiental em Barcarena, ela diz que as lideranças ficaram “mais visadas”. “Eu não tenho medo, porque Deus está comigo, mas a minha filha fica nervosa com todo carro desconhecido que passa perto de casa. Nós sabemos que corremos risco. Mas eu faço o que é certo, eu luto pela minha comunidade”, diz.

A refinaria Hydro Alunorte se manifestou sobre a morte da liderança Paulo Sérgio, da Cainquiama, condenando a violência. “A Hydro condena firmemente qualquer ação dessa natureza e repudia qualquer tipo de associação entre suas atividades e ações contra moradores e comunidades de Barcarena. A empresa reforça que sua relação com a comunidade é pautada pelo valor da companhia e pelo respeito à legislação da proteção aos direitos do cidadão e do meio ambiente.”

Nova denúncia do MP
Nesta segunda-feira (12), a Promotoria de Justiça de Barcarena, a Promotoria Agrária da I Região e o Ministério Público Federal notificaram novamente a empresa Hydro Alunorte. Desta vez foi para que no prazo de até 48 horas, a empresa providencie a vedação de um canal não autorizado de despejos químicos. O canal foi descoberto na semana passada após nova vistoria técnica na área de operações da empresa, em Barcarena.

“A notificação foi entregue na sexta-feira (9), às 18h, durante reunião que avaliava o cumprimento das recomendações para evitar que novos vazamentos ocorressem na planta da empresa no município de Barcarena”, diz o órgão.

Em nota à imprensa, a refinaria Hydro negou o despejo do canal. “Hydro não possui indícios de vazamento ou transbordo das áreas de depósito de resíduo de bauxita da Hydro Alunorte. Para liberar o excesso de água de chuva da área da fábrica, a Alunorte liberou as águas pluviais através do canal de água Canal Velho. Não há indícios de impacto ambiental negativo causado pela liberação.”

Por Catarina Barbosa – Amazônia Real