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A advogada Raquel Araújo da Silva ingressou na Vara da Fazenda Pública dos Direitos Coletivos e Individuais da Capital com uma ação popular, com pedido de liminar, contra o procurador-geral de Justiça, Gilberto Valente Martins, que “há pelo menos três anos vem agindo de maneira pouco transparente, criando privilégios que apontam para graves ilegalidades”. A ação foi impetrada no dia 29 passado, quarta-feira.
Hoje, depois de o juiz João Batista Nascimento, da 2ª Vara da Fazenda, se julgar incompetente para atuar no caso, por força de lei – ação popular não faz parte da atribuição da 2ª Vara -, o processo foi redistribuído para o juiz Raimundo Rodrigues Santana, da 5ª Vara de Fazenda Pública e Tutelas Coletivas. “Todavia, antes de decidir sobre a tutela de urgência pretendida, determino que o réu seja citado para tomar ciência da ação e, na mesma oportunidade, intimado para deduzir manifestação preliminar, querendo, em cinco dias, sem prejuízo de posterior contestação. Apresentada a manifestação preliminar ou decorrido o prazo, o que primeiro suceder, à conclusão”, manifestou-se Santana.
Segundo afirma a advogada na ação, existem promotores respondendo fora de suas promotorias; há pagamento de acumulações direcionadas para beneficiar alguns membros e com pagamento de diárias; anomalia no portal da transparência do MP; estouro do limite prudencial e contratação de cargo em comissão em período vedado. Segundo a advogada, estas informações “não estão disponíveis no portal da transparência”.
“Para o cidadão descobrir essa festa com o dinheiro público, ele tem de procurar em vários lugares, e o que é pior, quanto às acumulações, o site do MP informa apenas as atuais. Isto é, se o cidadão quiser saber por que o promotor recebeu R$ 38.000 no mês de janeiro de 2019, não terá como saber”, aponta a ação. Ela ressalta que o exemplo simbólico de desvio de finalidade é o caso que envolve os promotores Daniel Menezes Barros e Mônica Cristina Gonçalves Melo da Rocha. Mônica Rocha é titular da promotoria de 1ª entrância de Santo Antônio do Tauá (sendo de 1ª entrância, possui subsídio inferior) e Daniel Barros é titular da promotoria de 2ª entrância de Igarapé-Miri.
Esses dois municípios ficam a 165 km um do outro, mas, inexplicavelmente – continua a advogada – Daniel Barros foi designado para responder cumulativamente pela promotoria de 2ª entrância de Santa Isabel e responder também, pela promotoria de Santo Antônio do Tauá (de titularidade da promotora Mônica Rocha). Por sua vez, Mônica Rocha foi designada a responder pela promotoria de segunda entrância de Marituba, que fica a 33 km de distância de Santo Antônio do Tauá, com prejuízo de suas funções originais. Daniel Barros passou a receber elevados valores pela acumulação de duas promotorias. Mônica Rocha passou a ganhar como promotora de 2ª entrância.
Além disso, outro promotor teve de ser designado para responder pela promotoria abandonada por Daniel Barros, enfatiza a ação. “Por que ele a ser beneficiado? Por que não outro? Qual o critério? E o princípio do promotor natural?”, questiona a autora, salientando que ele está acumulando uma promotoria cuja titular está na ativa. “Não se trata de uma substituição por ausência ou qualquer outro tipo de impedimento. E toda essa dança de cadeiras possui o condão de onerar os cofres púbico e gerar favorecimentos ilegais para alguns membros”, ataca Raquel Araújo da Silva.
Discrepância de remunerações
Ainda de acordo com ela, os valores pagos a Daniel Barros são bastante significativos. No mês de fevereiro de 2019, sob a rubrica “outras remunerações temporárias”, ele recebeu R$ 6.134,21. No mês de janeiro de 2020, esse valor atingiu o montante de R$ 6.827,65. Somando todo o período em análise, Daniel Barros ganhou somente com essa rubrica o valor de R$ 75.274,05.
No período de janeiro de 2019 a março de 2020, membros como Eduardo José Falesi do Nascimento e Ramon Furtado Santos, não ficaram um único mês sem receber essa rubrica de remuneração temporária. Os valores verificados nos contracheques desses membros superam até mesmo aqueles detalhados no caso de Daniel Barros. “A investigação precisa ser aprofundada, e somente com o fornecimento de documentos e o aperfeiçoamento do portal da transparência do MPPA permitirão esse mister. Membros como Adleer Calderaro Siroteau e Harrison Henrique da Cunha Bezerra receberam acumulações de forma eventual, em menor valor”, compara a advogada.
De acordo com ela, a citação aos nomes dos dois últimos promotores serve para demonstrar a discrepância de remuneração entre os poucos favorecidos e os muito abandonados. Daniel Barros recebeu diárias em todos os 15 meses analisados, sem exceção alguma. No mês de agosto de 2019, ele atingiu, por exemplo, o montante de R$ 4.200,00. Além disso, com a soma entre acumulações e diárias, Daniel Barros ganha, em média, mais que os demais colegas de 2ª entrância, “sem que ele seja melhor promotor que os outros”.
Eduardo José Falesi do Nascimento e Ramon Furtado Santos também receberam diárias todos os meses do período analisado, sem exceção. Em dezembro de 2019, Ramon chegou a ganhar R$ 4.618,00 nessa rubrica. Falesi, em dezembro de 2019, recebeu R$ 3.901,00. Esse fato fez com que tais membros recebessem por volta de R$ 40.000, durante os quinze meses pesquisados. No ano de 2019, Ramon recebeu durante nove meses valores brutos superiores a R$ 40.000,00, ultrapassando a remuneração de Ministro do Supremo Tribunal Federal.
Em apenas três meses o montante não atingiu tal cifra, mas chegou perto, ultrapassado R$ 38.000. Durante os 15 meses analisados, Eduardo Falesi recebeu valores brutos superiores a R$ 40.000 por 13 meses, isto é, passou mais de um ano superando a remuneração de ministro do STF. Em apenas dois meses não atingiu tal montante, porém os valores superaram os R$ 37.000. Ao pesquisar o portal da transparência do MPPA, encontra-se outros membros (sempre os mesmos), que também são beneficiados, mês a mês, com acumulações; alguns deles, percebem subsídios superiores a Daniel.
A advogada garante que existem coisas mais graves. “O MP estourou o limite de prudência com gasto de pessoal, entretanto, mesmo estando sob situação de restrição legal, o gestor assumiu gasto novo, e inclusive com a duvidosa figura do cargo em comissão, sem concurso público, portanto”, prossegue.
Estouro do limite de gastos
E mais: em abril de 2019, o Ministério Público do Pará exortou o limite prudencial de gasto com pessoal, atingindo o percentual de 1,9596%. “Essa situação lamentável e inédita na história do MPPA revela uma gestão temerária e desastrosa, que resolveu, em agosto de 2018, por uma só canetada, promover todos os servidores do MP, retroativamente a 2015 (diário oficial, de 10 de agosto de 2018)”.
Essa promoção totalmente sem critério, sem a existência das vagas do escalão “imediatamente superior” (não foram criadas por lei, ou estavam todas vacantes quando da promoção geral), foi a causa do estouro do limite prudencial. Mas isso não é o mais importante. No início do ano de 2019, o Ministério Público estava com o limite prudencial da lei de responsabilidade fiscal estourado. Essa situação de caos financeiro, acarreta algumas consequências obrigatórias para o gestor, sob pena de improbidade administrativa.
Por fim, a ação pede à justiça a citação do réu, Gilberto Valente Martins; declare a nulidade dos pagamentos de acumulações e diárias já comprovados e os que vierem a ser durante a instrução, determinando a condenação do ordenador de despesa (direito ou por delegação – dever de evitar o prejuízo) no ressarcimento ao erário; declare a nulidade dos pagamentos feitos aos assessores de 3ª entrância, desde a nomeação até o termino do período de descumprimento do limite prudencial e encaminhe cópia da inicial à promotoria de improbidade e ao corregedor nacional do Ministério Público (CNMP).
Com a palavra, o procurador-geral
O chefe do Ministério Público do Pará, Gilberto Valente Martins, procurado pelo Ver-o-Fato, declarou que já foi notificado pelo juiz Raimundo Santana para tomar ciência da ação e apresentar manifestação preliminar. Ele disse que o site do órgão, na gestão dele, é eficiente, ágil e transparente, não esconde nada. Tanto que é tido, em levantamento nacional, entre os três de melhor desempenho do país.
“Todas as informações sobre licitações, pagamentos, diárias e acumulações estão lá, disponíveis para quem quiser acessá-las”, resumiu Gilberto Martins.
Chamadas à lide
Como a questão é complexa, o Ver-o-Fato ouviu o advogado Ismael Moraes, especialista em Direito Público, que não se viu em condição de fazer considerações sobre o mérito da causa, mas observou da possível determinação pelo juiz para que seja “emendada” a petição inicial da ação.
“A ação subjuga apenas o procurador-geral Gilberto Martins como réu, mas são atribuídas irregularidades na concessão de direitos e benefícios a vários promotores de Justiça. Entretanto, as pessoas supostamente favorecidas nesses cargos não foram colocadas no polo passivo da ação, ou, de qualquer modo, chamadas à lide como litisconsortes passivos necessários. Ora, se há pedido para suspensão e anulação de direitos ou benefícios de terceiros eles devem ser obrigatoriamente submetidos ao processo para se defender, como garantia constitucional de ampla defesa elementar. Sendo assim, devem haver percalços até que o juiz possa apreciar o pedido de liminar”, afirma Moraes.